Destino Manifesto como uma “mentira” que mascara escolhas humanas predatórias
Mito do Destino Manifesto moldou expansão americana, mas esconde racismo, imperialismo e contradições, ecoando em críticas contemporâneas ao excepcionalismo.
No coração do século XIX, uma ideia poderosa floresceu nos Estados Unidos: o Destino Manifesto.
Cunhado pelo jornalista John Louis O’Sullivan em 1845, esse conceito proclamava que os americanos eram divinamente destinados a expandir seu território. Não era apenas política; era uma missão sagrada. A doutrina justificava conquistas, guerras e o deslocamento de povos, sob a promessa de disseminar uma cultura considerada superior.
Hoje, ao revisitar esse mito, enxergamos sua força transformadora, mas também suas sombras: racismo, imperialismo e contradições que definiram a nação americana.
O’Sullivan, em artigo na Democratic Review, defendeu a anexação do Texas como parte de um “destino manifesto”.
Sua retórica inflamada alimentava o excepcionalismo americano, a crença de que os EUA eram a “última e melhor esperança da Terra”.
Abraham Lincoln, em 1862, ecoou isso durante a Guerra Civil, vinculando a democracia à sobrevivência de ideais nacionais.
A compra da Louisiana em 1803, pacífica, dobrou o território, mas pavimentou expansões violentas.
O Texas, tomado do México em 1845 após conflitos, foi justificado como um “desígnio sagrado” contra interferências estrangeiras.
Expansão sem limites
A marcha para o Oeste pulsava com essa ideologia. Disputas com a Inglaterra pelo Oregon culminaram na ocupação da costa do Pacífico, consolidando os EUA como potência continental.
A imprensa, liderada por O’Sullivan, e igrejas protestantes foram pilares dessa narrativa.
Missões religiosas catequizavam indígenas, promovendo assimilação e justificando deslocamentos forçados como “civilização”.
O jornalismo sensacionalista e o fervor religioso tornaram o Destino Manifesto um mito popular, que encobria a violência da conquista.
Nem todos, porém, abraçavam a doutrina.
Críticas no Norte denunciavam sua ligação com a expansão da escravidão. Abolicionistas viam nela um mecanismo para perpetuar a servidão, intensificando divisões que levaram à Guerra Civil (1861-1865). A abolição em 1865 foi uma vitória parcial, mas o expansionismo persistiu.
Outras críticas apontavam o racismo: o Destino Manifesto desvalorizava culturas indígenas e mexicanas, promovendo a superioridade anglo-saxã. A Guerra Mexicano-Americana (1846-1848), que anexou Califórnia e Novo México, foi um exemplo claro de imperialismo travestido de “liberdade”.
Críticas filosóficas atuais
Pensadores contemporâneos dissecam o Destino Manifesto como raiz do imperialismo americano.
Howard Zinn, em Uma História Popular dos Estados Unidos, chama-o de mito que encobre a opressão de indígenas e a expansão agressiva.
Noam Chomsky, filósofo americano, vê-o como embrião da hegemonia global, ligando-o a conquistas como a do México e a intervenções modernas.
Cornel West, pensador afro-americano, rotula-o uma “ideologia imperialista”, uma “mentira” que mascara escolhas predatórias por recursos e terras.
Da Europa, Slavoj Žižek critica o excepcionalismo como fantasia ideológica, escondendo interesses capitalistas sob um véu de universalismo.
Desenfreada busca de hegemonia global
O Destino Manifesto extrapolou o século XIX, justificando intervenções globais.
A Guerra Hispano-Americana (1898) trouxe Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas sob controle americano, marcando o imperialismo ultramarino.
O Canal do Panamá (1903), com apoio à independência panamenha, expandiu a Doutrina Monroe para interesses na América Latina.
Intervenções em Nicarágua, Haiti e República Dominicana consolidaram a hegemonia, sob pretextos de estabilização.
Na Guerra do Vietnã (1955-1975), os EUA combateram o comunismo como guardiões da liberdade global.
Invasões do Afeganistão (2001) e Iraque (2003) reinterpretaram o mito como “exportação da democracia”.
Presidentes reforçaram essa retórica.
John F. Kennedy, em 1961, prometeu “pagar qualquer preço” pela liberdade.
George W. Bush justificou ações no Oriente Médio com ideais americanos.
Donald Trump, em visão futurista para 2025, evocou o “destino manifesto nas estrelas”, sonhando com a bandeira americana em Marte.
Hoje, o Destino Manifesto é um mito fundacional, símbolo do dinamismo e das contradições americanas. E tem se mostrado letal para o multilateralismo e para a convivência pacífica e harmoniosa no cenário internacional.
Impulsionou o imperialismo, mas revelou divisões: muitos o viam como grito partidário, não consenso universal.
Críticas atuais o acusam de justificar guerras e exclusão racial, ecoando em debates sobre intervencionismo.
Sua essência, porém, vive na identidade americana – uma nação que se crê destinada a liderar, mesmo impondo sua visão.
O Destino Manifesto foi mais que uma doutrina; foi o espelho de uma era ambiciosa e conflituosa. Moldou os EUA como superpotência, mas a que custo?
Para indígenas, mexicanos e nações intervencionadas, foi opressão.
Para americanos, um chamado divino.
Essa dualidade nos desafia: em um mundo multipolar, há espaço para o excepcionalismo?
Ou é hora de um destino compartilhado?
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