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De Nobel a Nobel: Pérez Esquivel critica Corina Machado por dedicar prêmio a Trump

Em carta aberta, o argentino questiona a nova laureada por apoiar o atual presidente dos Estados Unidos e pede que ela “abra o coração ao diálogo e à paz”

Adolfo Pérez Esquivel (Foto: José Cruz/ Agência Brasil)

247 - O ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1980, publicou uma carta aberta dirigida à política venezuelana Corina Machado, recém-anunciada como ganhadora do mesmo prêmio. O texto foi divulgado pelo jornal argentino Página/12 e expressa profunda preocupação com as posições políticas da venezuelana, especialmente sua aproximação com os Estados Unidos e o fato de ter dedicado o prêmio ao presidente norte-americano Donald Trump.

“Envio-te a saudação de Paz e Bem, tão necessária à humanidade e aos povos que vivem na pobreza, em meio a conflitos, guerras e fome”, escreveu Esquivel, que abriu sua carta com uma mensagem de esperança e solidariedade.

O argentino, que foi preso e torturado durante a ditadura militar em seu país (1976-1983), recordou o contexto de sua própria premiação e destacou que a paz se constrói com coerência entre o dizer e o fazer. Ele afirmou ainda que recebeu o Nobel “em nome dos povos latino-americanos que lutam por liberdade e dignidade”, e não como um reconhecimento individual.

Crítica à submissão a Washington

Em tom direto, Pérez Esquivel expressou espanto com a postura de Corina Machado em relação aos Estados Unidos.

“Surpreende-me como te agarras aos Estados Unidos: deves saber que não tem aliados nem amigos, apenas interesses”, advertiu.

O prêmio Nobel argentino lembrou que as ditaduras na América Latina foram impulsionadas por interesses norte-americanos, que visavam manter a região em condição de dependência. Ele mencionou o bloqueio a Cuba — mantido há mais de 60 anos — como um exemplo da política de opressão dos Estados Unidos contra povos soberanos, e elogiou “a resistência do povo cubano como exemplo de dignidade e fortaleza”.

Defesa da Venezuela e crítica à ingerência estrangeira

Esquivel condenou as ameaças e sanções contra o governo venezuelano, destacando que o país vive “sob constante ameaça dos Estados Unidos e de seu bloqueio”. O argentino lamentou que Corina Machado não tenha se manifestado contra essa interferência:

“Não disseste uma palavra, ou talvez apoies a ingerência da grande potência contra a Venezuela. O povo venezuelano está pronto para enfrentar a ameaça.”

O ativista questionou duramente a líder opositora por ter pedido uma invasão norte-americana em território venezuelano e por ter dedicado o Nobel da Paz a Donald Trump.

“O agressor do teu país mente e acusa a Venezuela de ser narcotraficante — uma mentira semelhante à de George Bush, que acusou Saddam Hussein de possuir armas de destruição em massa, pretexto para invadir o Iraque e provocar milhares de mortes.”

“A pior violência é a mentira”

Pérez Esquivel afirmou que teve contato direto com as consequências das guerras promovidas pelos Estados Unidos.

“Estive no final da guerra, em Bagdá, num hospital pediátrico, e pude ver a destruição e as mortes causadas por aqueles que se proclamam defensores da liberdade. A pior das violências é a mentira.”

Ele também lembrou a invasão do Panamá em 1989, que deixou mais de mil mortos, e denunciou as repetidas intervenções norte-americanas na América Latina, afirmando que “as veias do continente continuam abertas”, em referência à célebre obra de Eduardo Galeano.

Apelo à consciência e ao diálogo

No trecho finall da carta, o argentino dirigiu-se diretamente a Corina Machado:

“Preocupa-me que não tenhas dedicado o Nobel ao teu povo, e sim ao agressor da Venezuela. Tens de refletir e saber onde estás — se és uma peça do colonialismo norte-americano ou alguém comprometida com o bem do teu povo.”

Esquivel reconheceu as conquistas sociais alcançadas na Venezuela nos últimos anos, mencionando avanços em moradia, saúde, educação e cultura.

“A dignidade do povo não se compra nem se vende”, destacou.

Por fim, ele concluiu com um apelo à reconciliação nacional:

“Abre tua mente e teu coração ao diálogo, ao encontro com teu povo. Esvazia o cântaro da violência e constrói a paz e a unidade para que entre a luz da liberdade e da igualdade.”

A carta de Adolfo Pérez Esquivel é um chamado à reflexão sobre o verdadeiro sentido do Prêmio Nobel da Paz, que, segundo ele, deve representar um compromisso com os povos oprimidos e com a construção de um mundo mais justo — e não com o poder e a dominação de potências estrangeiras.

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