Quase vendida, Ceitec retoma investimentos para reforçar soberania tecnológica brasileira
Colocada em lista de privatizações pelo governo Bolsonaro, empresa de semicondutores de Porto Alegre busca retomada
Por Otávio Rosso, do Brasil 247 - Quase a ponto de desaparecer quatro anos atrás, a Ceitec S.A. reapareceu no centro da política industrial do país. Após a reversão do processo de liquidação e a retomada de operações, a estatal sediada em Porto Alegre (RS) recebeu do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) um pacote de R$ 220 milhões para modernização e expansão da produção — medida apresentada como estratégica para reduzir a dependência externa de chips e consolidar a soberania tecnológica brasileira.
Criada em 2008 como empresa pública vinculada ao MCTI, a Ceitec é a única fábrica de semicondutores “front-end” da América do Sul, com competências que vão do design ao processamento de wafers. A estatal explicita, em seus canais institucionais, a missão de acelerar o ecossistema brasileiro de microeletrônica e ampliar portfólio para dispositivos de potência, alinhados à transição energética e à transformação digital.
Da crise à reviravolta
A trajetória recente da empresa foi marcada por forte instabilidade. Em 2020, um decreto presidencial autorizou a dissolução societária da Ceitec, abrindo caminho para a liquidação da estatal. Na decisão, o governo de Jair Bolsonaro (PL) alegava que a empresa tinha baixa competitividade e representava altos custos. A liquidação só não avançou por conta de uma determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) em setembro de 2021.
Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022, os rumos da Ceitec começaram a mudar. A virada política ficou cristalizada no Decreto nº 11.768/2023, que autorizou a reversão da liquidação e restabeleceu a rota de retomada operacional. Em abril de 2025, a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara rejeitou um PDL que pretendia sustar os efeitos desse decreto, garantindo segurança jurídica ao plano de reconstrução.
Segundo a própria empresa, a retomada ocorreu em três frentes: recomposição gradual da equipe, reativação da capacidade produtiva e reposicionamento tecnológico voltado à eletrônica de potência. “Reativamos processos produtivos, reaproximamos clientes e avançamos na preparação da fábrica para atender mercados emergentes ligados à transição energética e à descarbonização”, informou a direção da estatal.
O processo, no entanto, não foi isento de obstáculos. Entre os principais desafios estiveram a recomposição de mão de obra qualificada, o orçamento restrito, a reconexão de equipamentos e fornecedores após o período de paralisação e a necessidade de reconquistar clientes. “Superamos essas etapas com priorização de processos críticos, parcerias e governança reforçada”, acrescentou a empresa.
O peso dos novos investimentos
A Ceitec executa atualmente uma encomenda tecnológica da FINEP/MCTI, no valor de R$ 220 milhões oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a serem aplicados em três anos. O projeto concentra esforços na adequação da fábrica para produção em escala de semicondutores de carbeto de silício (SiC), com transferência de tecnologia, licenciamento de patentes e internalização de processos produtivos.
O SiC é considerado tecnologia-chave para a transição energética, por permitir maior eficiência, menores perdas e desempenho superior em altas tensões e temperaturas. “Isso resulta em equipamentos mais compactos e robustos, com redução de consumo e custo total de propriedade”, explica a companhia.
Entre as aplicações previstas estão inversores fotovoltaicos, módulos de tração e carregadores embarcados de veículos elétricos, estações de recarga rápida, fontes de data centers, acionamentos industriais e redes inteligentes.
Papel estratégico para o país
A direção da estatal afirma que a Ceitec é peça fundamental para a soberania tecnológica nacional. “Ao desenvolver e produzir semicondutores de potência, reduzimos vulnerabilidades, internalizamos conhecimento crítico e fortalecemos nossa posição em cadeias globais”, afirmou a empresa. Embora não possa acessar diretamente linhas de financiamento do BNDES por ser dependente do Tesouro, o banco tem participado das discussões sobre o futuro da companhia, em articulação com outros órgãos de governo, especialmente diante do interesse de parceiros internacionais em cooperações estratégicas.
Atração de investimentos e futuro da indústria
A presença da Ceitec já induziu a formação de um ecossistema local de semicondutores no Rio Grande do Sul, atraindo empresas como HT Micron, Ensilica e Impinj, além de novos projetos anunciados por Tellescom e Chipus. Agora, com o reposicionamento em eletrônica de potência e negociações em curso com possíveis parceiros internacionais, a expectativa é consolidar o estado como um hub nacional do setor, ampliando investimentos, qualificando mão de obra e fortalecendo fornecedores.
O planejamento estratégico da empresa prevê, nos próximos anos, consolidar a retomada operacional e a relação com clientes, instalar a capacidade produtiva em SiC, fomentar a inovação em parceria com universidades e centros de pesquisa e estimular o adensamento das cadeias produtivas no país, em sintonia com as políticas de reindustrialização e transição energética.
O principal projeto em curso é justamente a implantação da nova rota tecnológica em carbeto de silício, que concentra esforços de adequação fabril, transferência de tecnologia e internalização de processos. Paralelamente, seguem a reativação plena da fábrica, a qualificação de equipamentos e a expansão comercial em aplicações de alto impacto energético. Para a direção da estatal, esse movimento reposiciona a Ceitec como motor da inovação nacional e fortalece a presença do Brasil em um mercado global dominado por grandes potências.