Trump mente ao culpar 'esquerda radical' por crimes de ódio nos EUA
Estudo da Universidade de Cincinnati mostra que extremistas de direita cometem mais ataques, embora haja registros também entre a esquerda
247 - A revista The Economist publicou na quinta-feira (18) uma análise sobre o crescimento da violência política nos Estados Unidos e a tentativa de atribuir responsabilidades ideológicas após o assassinato de Charlie Kirk, ativista conservador morto no dia 10 de setembro, na Filadélfia. O caso repercutiu em todo o país e levou o presidente Donald Trump a declarar que “a maior parte da violência vem da esquerda”.
O episódio também mobilizou outras figuras políticas. Pam Bondi, procuradora-geral, afirmou em publicação no X (antigo Twitter) que “assistimos a esquerda radical normalizar ameaças, pedir assassinatos e aplaudir a violência política”. Já o vice-presidente J.D. Vance, que assumiu temporariamente o podcast de Kirk, defendeu que a violência não pode ser tratada como um problema de “ambos os lados”, mas sim como uma questão “muito maior e maligna” da esquerda.
O crime e as motivações do suspeito
O autor do ataque, Tyler Robinson, foi preso e acusado formalmente. Segundo documentos judiciais, mensagens de texto enviadas por ele mostram que estava cansado do que descrevia como o “ódio” de Kirk. Relatos de seus pais indicam que Robinson havia se aproximado de pautas ligadas aos direitos LGBTQIA+, mas analistas ressaltam que classificações ideológicas em casos de violência política costumam ser complexas e nem sempre lineares.
Dados e pesquisas contradizem a narrativa
Apesar do discurso oficial, os levantamentos existentes não confirmam a tese de que a esquerda seja a principal responsável por crimes dessa natureza. O Prosecution Project, coordenado pelo professor Michael Loadenthal, da Universidade de Cincinnati, analisa processos criminais relacionados à violência política e conclui que tanto extremistas de direita quanto de esquerda cometem ataques — embora os registros apontem para maior frequência entre os primeiros.
Loadenthal explicou que o objetivo do projeto é criar uma taxonomia de crimes voltados a mudanças sociopolíticas ou à transmissão de mensagens, ressaltando ainda que muitos casos envolvem pessoas com histórico de transtornos mentais, o que dificulta a definição ideológica.
Pesquisas de opinião e percepções distorcidas
No mesmo podcast de Kirk, J.D. Vance citou dados do instituto YouGov indicando que 25% dos americanos que se identificam como “muito liberais” afirmaram que a violência política pode ser justificada em algumas situações. Entre os “muito conservadores”, apenas 3% responderam da mesma forma, contra 11% da média nacional.
Especialistas lembram, porém, que pesquisas de opinião podem ser influenciadas pelo momento em que são realizadas. A sondagem usada por Vance ocorreu logo após o assassinato de Kirk, quando a percepção de que ele teria sido alvo de um militante de esquerda estava mais forte na opinião pública. Estudos anteriores da própria YouGov mostraram que eleitores tendem a considerar a violência política um grande problema sobretudo quando a vítima é de seu campo ideológico.
O risco do efeito cascata
Pesquisas acadêmicas alertam que a percepção exagerada sobre o apoio à violência entre adversários pode alimentar um ciclo perigoso. Estudos apontam que simpatizantes de partidos superestimam em até quatro vezes a aceitação da violência pelo outro lado. Quando confrontados com dados reais, a propensão a justificar ataques cai em cerca de um terço.
Lilliana Mason, cientista política da Universidade Johns Hopkins, observa que, apesar da escalada recente, os índices de violência política atuais ainda estão bem abaixo dos anos 1960. Para ela, os ataques recentes parecem estar menos ligados a causas políticas estruturadas e mais à tentativa de ganhar visibilidade.