Exportações de terras raras seguem travadas e expõem fragilidade do acordo de Trump com a China
Negócios entre EUA e China seguem bloqueados por licenças opacas, impasse militar e temor de nova escalada tarifária
247 - Quase dez dias após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar um “acordo fechado” com a China, empresas americanas seguem sem clareza sobre quando poderão retomar o recebimento de ímãs de terras raras — materiais essenciais para setores estratégicos. A informação é da agência Bloomberg, que ouviu empresários, fontes do setor e autoridades envolvidas nas tratativas.
Apesar das promessas de Trump de que os insumos fluiriam “imediatamente” após o encontro em Londres, realizado em 11 de junho, o processo de concessão de licenças na China avança de forma lenta e burocrática. Segundo fontes familiarizadas com o tema, o sistema chinês até mostrou alguma melhora, mas permanece opaco e complexo, frustrando expectativas criadas pelo anúncio presidencial.
Indústria refém da disputa
Empresas de setores diversos — da tecnologia à indústria automobilística — estão sendo afetadas. Algumas aguardam os ímãs minerais; outras, por sua vez, estão impossibilitadas de exportar insumos estratégicos para a China devido às novas restrições impostas por Washington. A tensão ameaça desestabilizar o frágil cessar-fogo tarifário firmado no mês passado, em Genebra.
“Ainda que os licenciamentos acelerem, há tantas incertezas sobre o regime de permissões que é impossível para as empresas confiarem no fornecimento futuro,” afirmou Christopher Beddor, vice-diretor de pesquisas sobre China na Gavekal Research. “No mínimo, as companhias precisam considerar seriamente a possibilidade de que as negociações desabem novamente.”
Em resposta à lentidão de Pequim, Trump retaliou suspendendo a exportação de softwares de design de chips, motores a jato e etano — substância usada na fabricação de plásticos — até que a China retome o fornecimento das terras raras. Empresas afetadas, como a INEOS Group Holdings SA e a Enterprise Products Partners, tiveram embarques bilionários congelados. Algumas cargas estão prontas para partir, mas impedidas por entraves diplomáticos.
Pressão interna e silêncio oficial
A Casa Branca tem sido pressionada por líderes empresariais em busca de clareza sobre a estratégia adotada. Segundo a Bloomberg, o Departamento de Comércio, responsável pelas regras de controle de exportações, tem fornecido poucas explicações. A justificativa pública para os bloqueios é a segurança nacional, mas membros da equipe de Trump admitem reservadamente que se trata de uma forma de “irritar” os chineses para forçar a implementação do acordo, como declarou o secretário de Comércio, Howard Lutnick.
Mesmo gigantes do setor de energia tentaram argumentar que a proibição das exportações de etano compromete mais os interesses dos EUA do que os da China. Além disso, Pequim tem alternativas — como o uso de nafta proveniente do Oriente Médio — para manter sua produção de plásticos, o que diminui o impacto das sanções americanas.
Militares na mira
As restrições chinesas tendem a ser mais severas para empresas ligadas ao setor de defesa dos EUA. Desde que Trump impôs tarifas elevadas em abril, a China incluiu o samário — metal essencial em armamentos como mísseis guiados e caças — em uma lista de uso dual, impedindo seu envio para fins militares.
A situação complica ainda mais porque muitas empresas compram ímãs de fornecedores que atendem tanto montadoras quanto fabricantes de armamentos, dificultando provar que o destino final não será bélico. O impasse sobre esse ponto específico não foi resolvido mesmo após cerca de 20 horas de negociação em Londres, relataram pessoas com conhecimento direto das conversas.
Falta de sinal verde de Xi Jinping
O acordo anunciado por Trump nunca foi formalizado publicamente por nenhuma das partes, e o presidente chinês, Xi Jinping, ainda não manifestou apoio explícito ao tratado. A ausência desse endosso aumenta a insegurança jurídica para empresas americanas. Segundo Morris Hammer, diretor do setor de ímãs de terras raras da Posco Holdings Inc., Pequim chegou a agilizar embarques para algumas montadoras europeias e dos EUA, mas os envios permanecem lentos.
A fabricante chinesa Advanced Technology & Materials relatou ter obtido algumas licenças, sem detalhar os destinos. Já a Toyota afirmou que cerca da metade de seus fornecedores nos EUA obteve autorização, mas os produtos ainda não foram entregues, o que pode estar ligado a dificuldades logísticas.
Estoques baixos e futuro incerto
A escassez continua porque os embarques internacionais foram interrompidos por dois meses, a partir de abril, comprometendo os estoques globais. Mesmo com a retomada parcial, não há confiança no mercado de que a situação vá se normalizar. “O acordo de Trump permitirá a saída de materiais por um curto período, mas isso não resolve o problema das montadoras, que seguem discutindo paralisações,” alertou Hammer. “Ninguém acredita que esse descongelamento vá durar.”
Enquanto a General Motors aposta na autossuficiência com contratos de produção doméstica de ímãs, a Ford enfrenta dificuldades imediatas, tendo que fechar temporariamente uma fábrica. Já a Scout Motors, do grupo Volkswagen, está redesenhando seus componentes para depender menos desses insumos.
Mesmo que as exportações da China sejam retomadas em maior volume, o episódio já pressiona empresas chinesas a buscar fornecedores alternativos ou a reforçar sua produção interna, alertaram especialistas ouvidos pela Bloomberg. “O risco de o acordo de Londres fracassar é real,” avaliou Alicia Garcia Herrero, economista-chefe da Natixis para Ásia-Pacífico. “Terras raras são um tema extremamente técnico, sujeito a falhas.”
❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].
✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.
Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: