Brasil mira protagonismo nas 'terras raras' para romper dependência tecnológica e energizar transição verde
Com segunda maior reserva do mundo, país investe em projetos para transformar riqueza mineral em indústria estratégica de alto valor agregado
247 - Desconhecidas da maioria da população, mas cobiçadas por potências e grandes corporações, as chamadas “terras raras” despontam como peças-chave na disputa por supremacia tecnológica e energética no século XXI. Esses 17 elementos químicos, essenciais em áreas como energia renovável, defesa e informática, se tornaram insumos críticos nas cadeias globais. Com reservas expressivas e potencial inexplorado, o Brasil busca agora transformar essa vantagem geológica em soberania industrial.
Segundo reportagem publicada pelo g1, o Brasil detém a segunda maior reserva de terras raras do planeta, com cerca de 21 milhões de toneladas, atrás apenas da China — líder isolada em extração e refino. Apesar da riqueza subterrânea, o país ainda engatinha na cadeia de valor dos minerais, exportando em grande parte os recursos como commodities de baixo valor agregado.
Valor estratégico e disputas geopolíticas - A importância desses minerais vai além da economia. Em abril, os Estados Unidos firmaram acordo com a Ucrânia para explorar seu potencial mineral — incluindo terras raras — como parte de uma estratégia para reduzir a dependência da China, que fornece 80% dos minerais consumidos pela indústria americana.
Boa parte dessas jazidas está concentrada nas regiões de Donetsk, Luhansk e Dnipropetrovsk, zonas de conflito com a Rússia, o que reforça o caráter geopolítico da disputa. O presidente Donald Trump teria sugerido que o acordo seria uma forma de a Ucrânia retribuir a ajuda militar e financeira recebida desde o início da guerra.
Na mesma linha, Trump anunciou nesta semana um novo acordo com a China. O governo chinês ainda não confirmou oficialmente, mas, segundo o The Wall Street Journal, o pacto envolve a liberação por seis meses da exportação de minérios raros e ímãs para os EUA. Em contrapartida, Washington reduziria as tarifas adicionais que vinha impondo aos produtos chineses.
A manobra diplomática tem contexto claro. A China havia reagido às tarifas impostas por Trump com medidas semelhantes e, discretamente, suspendeu as exportações dos minérios estratégicos. O impacto foi imediato: montadoras americanas entraram em pânico, e o governo dos EUA endureceu restrições à entrada de estudantes chineses. Agora, Trump recua e tenta reequilibrar a relação com Pequim.
A aposta brasileira para sair do papel - Embora ainda dependa de tecnologia externa, o Brasil deu os primeiros passos para estruturar uma cadeia produtiva própria. “O Brasil tem diante de si uma janela de oportunidade para desenvolver uma robusta indústria de processamento de terras raras, fazendo uso de sua farta oferta de energia limpa, renovável e competitiva”, afirmou o Ministério de Minas e Energia.
Entre os projetos em curso está o MagBras, coordenado pelo SENAI, que estrutura uma cadeia completa para produção de ímãs de neodímio-ferro-boro (NdFeB), usados em carros elétricos, turbinas e eletrônicos. Além disso, o governo lançou um fundo de R$ 1 bilhão para fomentar pesquisas com foco em empresas juniores e aprovou um decreto que autoriza debêntures incentivadas para projetos ligados à transformação de minerais estratégicos.
Outro destaque é uma chamada pública de R$ 5 bilhões feita por BNDES, Finep e o próprio MME, voltada à implantação de plantas industriais e desenvolvimento de negócios na área. Também estão em andamento estudos do Serviço Geológico Brasileiro para identificar novas jazidas e aproveitar rejeitos de mineração.
Uallace Moreira, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do ministério, reconhece os obstáculos: “é melhor produzir o processado, no sentido de agregação de valor. Só que tem desafios tecnológicos, desafios de escala de produção, competitividade”.
A urgência de uma estratégia nacional - Para especialistas em geopolítica, a hora de agir é agora. “Eu considero que o mundo hoje vive uma realidade de disputa geopolítica, e nós, brasileiros, precisamos ter consciência de que esses ativos estratégicos precisam ter um tratamento igualmente estratégico”, afirma Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra (ESG).
Carmona destaca a postura da China como exemplo de como utilizar recursos naturais como instrumento de barganha: “para ela reverter o dissabor das tarifas americanas, que contêm a capacidade exportadora da sua economia, está usando um ativo estratégico como fator de barganha para algo que é do seu interesse”.
Para o professor, o Brasil deve adotar a mesma postura. “Precisamos ter a mesma inteligência estratégica”, alerta.
O Brasil tem a chance de reescrever sua história no mercado global de minerais estratégicos. Com uma combinação rara de solo fértil em recursos, matriz energética limpa e demanda crescente, o país pode deixar de ser apenas um exportador de matéria-prima e ocupar papel central na transição energética global.
A janela está aberta. O desafio agora é construir, com decisão política e investimentos sustentados, um caminho que transforme potencial em liderança, e abundância em soberania.
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