Empregos ameaçados: atores de voz reagem ao avanço da inteligência artificial no setor de dublagem
Profissionais europeus pressionam por regulação da União Europeia para proteger empregos, garantir direitos autorais e preservar a qualidade artística
247 – A crescente adoção de inteligência artificial (IA) na indústria de dublagem tem gerado forte resistência por parte de atores de voz em toda a Europa. Segundo reportagem da Reuters, publicada nesta quarta-feira (30), profissionais renomados da dublagem estão se organizando para reivindicar garantias legais e denunciar os riscos que o uso indiscriminado da tecnologia representa para seus empregos e para a integridade artística das produções audiovisuais.
Boris Rehlinger, conhecido por emprestar sua voz francesa a atores como Ben Affleck, Joaquin Phoenix e até ao Gato de Botas, é uma das vozes mais ativas nesse movimento. “Sinto-me ameaçado, mesmo que minha voz ainda não tenha sido substituída por IA”, declarou à Reuters. Rehlinger integra a iniciativa francesa TouchePasMaVF, que defende a dublagem feita por humanos e denuncia o avanço desregulado das ferramentas tecnológicas.
A ascensão das plataformas de streaming, como a Netflix, elevou exponencialmente a demanda por conteúdos dublados. Dados da consultoria GWI indicam que 43% dos espectadores na Alemanha, França, Itália e Reino Unido preferem dublagem a legendas. Com esse cenário, o mercado deve crescer de US$ 4,3 bilhões em 2025 para US$ 7,6 bilhões até 2033, conforme estimativas da Business Research Insights.
Diante do crescimento acelerado, soluções baseadas em IA ganham espaço por prometerem eficiência e redução de custos. No entanto, associações de dubladores alertam para os perigos dessa abordagem. “Precisamos de legislação: assim como o carro substituiu a charrete, foi necessário criar um código de trânsito”, comparou Rehlinger. A principal preocupação é que arquivos de voz já existentes sejam reutilizados por IA sem consentimento dos artistas.
Na Alemanha, um grupo de 12 dubladores divulgou em março uma campanha no TikTok com o lema “Vamos proteger a inteligência artística, não a artificial”, que rapidamente viralizou, alcançando 8,7 milhões de visualizações. A petição lançada pela associação VDS — que representa os dubladores do país — já obteve mais de 75 mil assinaturas e exige que as empresas de tecnologia obtenham consentimento explícito dos artistas, remuneração justa e rotulagem transparente para conteúdos gerados por IA.
“Quando a propriedade intelectual deixa de ser protegida, ninguém mais cria, porque pensa: ‘amanhã vão me roubar mesmo assim’”, alertou Cedric Cavatore, membro da VDS e dublador de jogos como Final Fantasy VII Remake.
Nos bastidores, plataformas de streaming já testam essas tecnologias. A Netflix, segundo fontes da Reuters, utilizou IA generativa para efeitos visuais na série El Eternauta e também tem explorado ferramentas para sincronizar movimentos labiais com diálogos dublados, sem abrir mão de atores humanos para as falas. Tais práticas, que respeitam os contratos firmados com sindicatos como o SAG-AFTRA nos Estados Unidos, ainda geram receio entre os profissionais.
A tensão aumentou quando a Viaplay, plataforma de streaming nórdica, removeu a versão alemã da série polonesa Murderesses após críticas à monotonia das vozes geradas por IA. A empresa havia optado por um modelo híbrido, desenvolvido pela startup israelense DeepDub, que combina vozes humanas e sintéticas — mas o resultado desagradou o público. “Continuaremos oferecendo legendas e reservaremos a dublagem para conteúdos selecionados”, declarou Vanda Rapti, vice-presidente executiva do grupo.
Apesar das críticas, parte do setor defende que IA e dubladores podem coexistir. “O medo é que a IA seja usada para produzir algo o mais barato possível e que as pessoas passem a aceitar uma qualidade inferior. Isso seria o pior cenário para nós”, advertiu Eberhard Weckerle, diretor do estúdio Neue Tonfilm Muenchen, que já utilizou IA em projetos.
Stefan Sporn, CEO da Audio Innovation Lab, acredita que o futuro da dublagem será híbrido. A empresa usou tecnologia própria para dublar o filme chinês Black Dog, exibido no Festival de Cannes, e defende que o uso ético da IA pode ampliar possibilidades sem eliminar o trabalho humano. “O interesse é enorme. Estúdios, produtores e anunciantes querem saber até onde essa tecnologia pode chegar”, afirmou.
Outro exemplo é a Flawless AI, que também atua com atores locais e utiliza IA para adaptar o movimento labial às diferentes línguas. “Quando usadas corretamente, essas tecnologias são um tiro de prata que pode transformar a forma como fazemos cinema”, disse o co-CEO da empresa, Scott Mann.
A batalha entre inteligência artificial e inteligência artística ainda está longe de um desfecho. Mas para os profissionais que dão voz aos personagens do cinema, da televisão e dos games, o recado é claro: o talento humano ainda é insubstituível.
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