Ataque de Trump ao Irã é uma "rendição incondicional" a Israel, diz Aaron Maté
As autoridades iranianas não se renderam. Trump, em contraste, não pode dizer o mesmo
Por Aaron Maté, em seu Substack – Desde sua eleição em 2016, os adversários políticos de Donald Trump o retrataram como um fabulista perigoso e instável, servindo aos interesses de uma potência estrangeira maligna e armada com armas nucleares.
Ao retornar à Casa Branca este ano, Trump está provando que seus críticos estavam certos em quase tudo — exceto em um detalhe: a localização no mapa. O Estado rebelde com o qual ele está conspirando — colocando o planeta em grande perigo — não é a Rússia, como alegavam seus detratores mais vocais, mas Israel.
O ataque de Israel, em 13 de junho, ao Irã sabotou as negociações então em andamento sobre um novo acordo nuclear com os Estados Unidos, e Trump fez de tudo para apoiar essa agressão. Trump contradisse a afirmação de seu próprio secretário de Estado de que Israel agira "unilateralmente", admitindo que "sabíamos de tudo" antes do que chamou de "ataque muito bem-sucedido". Autoridades do governo estadunidense revelaram posteriormente que Trump havia autorizado previamente o fornecimento de apoio de inteligência a Israel para o bombardeio. Trump então pediu que os 9,8 milhões de residentes de Teerã evacuassem a cidade, especulou sobre assassinar o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e declarou que "nós" — referindo-se a Israel e aos EUA — "temos controle total e absoluto dos céus sobre o Irã".
Depois que o Irã rejeitou sua exigência de "rendição incondicional", Trump impôs um novo prazo de duas semanas, apenas para quebrá-lo três dias depois, ordenando um ataque militar dos EUA a três instalações nucleares iranianas, incluindo o complexo montanhoso profundamente enterrado em Fordo, que ele rapidamente celebrou como um "grande sucesso". Assim como a diplomacia de Trump com o Irã, seu prazo de duas semanas acabou sendo uma artimanha cujo "objetivo era criar uma situação que ninguém estivesse esperando", disse um alto funcionário do governo.
Para travar guerra contra o Irã, Trump e seus aliados usaram o velho manual das "armas de destruição em massa do Iraque", ignorando ou manipulando evidências para incitar medo contra um Estado marcado para mudança de regime. Diferentemente da guerra do Iraque — em que o caso fraudulento para a invasão foi, em grande parte, fabricado internamente — Trump terceirizou o trabalho para Israel, sem sequer fingir se importar com a opinião pública ou com a aprovação do Congresso dos EUA.
Em março, a comunidade de inteligência dos EUA avaliou que "o Irã não está construindo uma arma nuclear" e "não reautorizou o programa de armas nucleares... suspenso em 2003". Segundo autoridades estadunidenses que falaram ao The New York Times, "[e]ssa avaliação não mudou". Além disso, os EUA concluíram que "não apenas o Irã não estava buscando ativamente uma arma nuclear, como também estava a até três anos de conseguir produzir e entregar uma", relata a CNN, citando quatro fontes.Enquanto Dick Cheney e seus aliados se deram ao trabalho de pressionar subordinados a fabricar inteligência — inclusive por meio de tortura —, Trump não se importa em buscar sua aprovação. "[M]inha comunidade de inteligência está errada", disse Trump a repórteres na sexta-feira. A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, insistiu que "o Irã tem tudo o que precisa para obter uma arma nuclear" e que, se autorizado pelo aiatolá Khamenei, "levaria algumas semanas para concluir a produção dessa arma". Em reuniões na Casa Branca, o diretor da CIA, John Ratcliffe, argumentou que o Irã está perto de ter uma bomba nuclear e que afirmar o contrário "seria como dizer que jogadores de futebol que lutaram para chegar à linha de fundo [no futebol americano] não querem marcar um gol", segundo um funcionário dos EUA que falou à CBS News. (Depois da guerra do Iraque, a analogia do "basquete" não está mais disponível.)Se a comunidade de inteligência de Trump está "errada", quem ele acha que está certo? Como autoridades estadunidenses disseram ao New York Times, as afirmações de Trump e de seu círculo "ecoavam material fornecido pelo Mossad", a agência de inteligência israelense. E enquanto alguns no governo federal dos EUA — sem dúvida próximos a Trump — "consideram a estimativa israelense crível", outros acreditam que "as avaliações israelenses foram influenciadas pelo desejo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de obter apoio estadunidense para sua campanha militar contra o Irã". Além disso, segundo várias autoridades, "[n]enhuma das novas avaliações sobre o cronograma para obter uma bomba é baseada em inteligência recém-coletada", mas sim em "novas análises de trabalhos existentes". Em outras palavras, Trump está marginalizando sua própria comunidade de inteligência para confiar em "novas análises" que não se baseiam em novas informações, mas apenas na manipulação de um governo estrangeiro.
O desdém de Trump por suas próprias agências é um desrespeito específico à chefe de inteligência, Tulsi Gabbard. "Não me importo com o que ela disse", afirmou Trump esta semana, referindo-se à apresentação de Gabbard em março sobre o consenso da inteligência dos EUA em relação ao Irã. "Eu acho que eles [Irã] estavam muito perto de ter isso."
Em vez de defender as agências que supervisiona — e seu histórico de desafiar desinformações anteriores promovidas pelos EUA para mudança de regime —, Gabbard se submeteu a Trump e, por extensão, a Israel. Em uma publicação nas redes sociais, Gabbard criticou "a mídia desonesta" por tirar “de contexto seu depoimento de março". Agora, Gabbard afirma que os EUA "têm inteligência de que o Irã está no ponto em que pode produzir uma arma nuclear em semanas ou meses, se decidirem finalizar a montagem". Gabbard também compartilhou um vídeo daquele depoimento de março, sem abordar o fato contraditório de que ele não menciona sua nova alegação de que o Irã tem capacidade de produzir uma bomba nuclear "em semanas ou meses".
Gabbard está envolvida em um jogo de palavras desonesto. Se Israel disser aos EUA que o Irã "pode produzir uma arma nuclear em semanas", então sim, a inteligência estadunidense agora "tem" essa informação. Isso não significa que seja verdade ou que a inteligência dos EUA acredite nisso — o que não acontece. Um funcionário dos EUA, familiarizado com os registros disponíveis sobre o Irã, me disse que não há nenhuma avaliação da inteligência estadunidense concluindo que o Irã está a "semanas" de construir uma arma nuclear. Portanto, Gabbard está apenas dizendo que a comunidade de inteligência dos EUA recebeu "inteligência" de Israel, sem mencionar que, na verdade, não a endossa.
Além disso, supondo por um momento que a alegação israelense esteja correta, a ressalva de Gabbard — "se decidirem finalizar" — é um reconhecimento de que o Irã não decidiu construir uma arma nuclear. Isso porque o Irã afirmou que não quer uma e está disposto a se comprometer com isso em um acordo vinculante — o que estavam negociando com os EUA até que Trump e Israel o sabotaram, e não pela primeira vez. Na verdade, como também previram autoridades de inteligência dos EUA, o bombardeio de Trump agora aumenta a probabilidade de o Irã buscar a bomba nuclear que há muito renunciou. O Irã afirma ter movido estoques de urânio enriquecido antes do bombardeio dos EUA, preservando sua capacidade de transformá-lo em armas.
Trump e Israel exigiram, nas palavras do presidente, uma "rendição incondicional": capitulação às demandas maximalistas dos EUA e de Israel de que o Irã encerre seu programa de enriquecimento de urânio — ao qual tem direito de manter sob o Tratado de Não Proliferação — e limite seu arsenal de mísseis. Em outras palavras, Trump e Netanyahu exigiram que o Irã concordasse em abandonar sua soberania e direito à autodefesa enquanto sofre ataques da agressão israelense apoiada pelos EUA — tudo enquanto o massacre israelense em Gaza e a anexação da Cisjordânia, também apoiados pelos EUA, continuam sem impedimentos.
As autoridades iranianas não se renderam. Trump, em contraste, não pode dizer o mesmo. Ao permitir o bombardeio israelense, repetir suas mentiras e agora travar uma guerra contra o Irã em seu nome, Trump já ofereceu uma rendição incondicional a Israel — uma traição que se torna mais perigosa a cada dia.
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