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Jamil Chade: "Anistia não é pacificação"

Correspondente internacional alerta que perdoar crimes políticos enfraquece a democracia e incentiva novos ataques às instituições

Jamil Chade: "Anistia não é pacificação" (Foto: Brasil247)

247 - O jornalista e correspondente internacional Jamil Chade, em entrevista ao programa Conversas com Hildegard Angel no YouTube, afirmou que a ideia de conceder anistia aos envolvidos em crimes políticos recentes no Brasil não representa um gesto de reconciliação, mas sim um enfraquecimento da democracia. Morando em Genebra e atuando para veículos nacionais e estrangeiros, ele relacionou o tema à escalada global da extrema direita e ao papel estratégico do Brasil nesse cenário.Para Chade, o debate sobre anistia não pode ser tratado como um instrumento para “pacificar” o país, porque envolve delitos que atingem diretamente o Estado de Direito. Ao avaliar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro e a reação de seus aliados, ele advertiu que conceder perdão em casos como esse transmite a mensagem de que atentar contra as instituições não gera consequências graves. “Anistia não é pacificação”, enfatizou, acrescentando que experiências históricas mostram que a impunidade estimula a repetição de condutas golpistas.O jornalista observou que a repercussão internacional da prisão de Bolsonaro ultrapassa o interesse doméstico, transformando o Brasil em um “laboratório” observado por movimentos políticos radicais e por democracias que enfrentam ameaças semelhantes. Ele destacou que a pressão política exercida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por meio de sanções contra o país, não se limita ao comércio exterior, mas busca enfraquecer a estabilidade institucional. “O que está acontecendo no Brasil é um ataque à democracia brasileira. Não é ao exportador, é à democracia do mundo”, declarou.

Chade vê riscos concretos no argumento de que anistiar é um gesto de “união nacional”, pois, segundo ele, há uma diferença fundamental entre superar divergências políticas e tolerar crimes contra a ordem democrática. Essa tolerância, afirma, cria um precedente perigoso: o de que rupturas institucionais podem ser ensaiadas repetidas vezes sem punição proporcional. Ele lembrou que, historicamente, a anistia de crimes cometidos por agentes da ditadura militar deixou feridas abertas na sociedade brasileira e contribuiu para a permanência de estruturas autoritárias no Estado.

A entrevista também abordou o contexto regional e as articulações que podem influenciar decisões como essa. Chade observou que a atual conjuntura está aproximando Brasil e México, rivais históricos na economia, para uma atuação conjunta diante das pressões de Washington. Ele lembrou que, nos Estados Unidos, as próximas eleições e a influência de Trump são observadas com preocupação por governos progressistas da América Latina, que veem no Brasil um pilar para a resistência democrática.

O correspondente destacou ainda que o bolsonarismo conseguiu mobilizar multidões em defesa de seu líder, enquanto a esquerda não apresentou reação de mesma intensidade quando Lula foi preso. Para ele, isso demonstra como a extrema direita construiu uma identidade de movimento capaz de sustentar narrativas, inclusive a favor da anistia, e como o campo democrático precisa “radicalizar a democracia” para enfrentar essas investidas.

Ao relatar suas viagens por 15 estados americanos, Chade descreveu a base eleitoral de Trump como formada por pessoas que se percebem derrotadas pela globalização e que se mostram receptivas a discursos religiosos e conspiratórios. Segundo ele, essa base alimenta um projeto político que se replica em líderes como Viktor Orbán, Javier Milei e figuras da política brasileira, o que reforça a necessidade de um enfrentamento institucional firme, sem concessões como a anistia.

Em sua análise, Chade apontou também exemplos de decisões estratégicas tomadas no Brasil em alinhamento automático ao governo Trump, como a abertura unilateral do mercado de trigo americano e a renúncia ao status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio, medidas sem contrapartida econômica relevante. Ele afirmou que esses gestos ilustram como interesses externos podem influenciar rumos internos e como decisões de impacto nacional podem ser tomadas sem debate público aprofundado.

O jornalista ressaltou, por fim, que a defesa da democracia deve ser um compromisso ativo de cada cidadão, desde a preservação de instituições públicas até a participação em movimentos comunitários. “Caiu na nossa geração defender um ativo civilizatório. Eu não quero ver esse desmonte e não fazer nada”, disse. Para ele, aceitar anistias em nome da pacificação significaria abdicar dessa missão, permitindo que ameaças à democracia se perpetuem sob a justificativa de estabilidade política. Assista:

 

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