Mercado de títulos corporativos no Brasil é abalado por temor de nova crise de crédito
Desconfiança entre investidores internacionais e pressiona títulos de empresas como Braskem e Raízen
247 – A crescente preocupação com a qualidade de crédito de empresas brasileiras voltou a acender um sinal de alerta no mercado financeiro. De acordo com o jornal Valor, o gatilho foi a crise da Ambipar, companhia de gestão ambiental com forte exposição ao mercado de capitais, que está prestes a pedir recuperação judicial.
A turbulência ampliou o receio entre investidores estrangeiros, sobretudo diante das incertezas sobre a saúde financeira de outras companhias relevantes, como a petroquímica Braskem e a energética Raízen. Esse cenário já se reflete nos preços dos títulos de dívida corporativa brasileiros negociados no exterior. O índice da J.P. Morgan que acompanha esses papéis caiu 3% desde que a Ambipar acionou a Justiça para se proteger de credores. No acumulado do ano, a alta é de apenas 2,1%, bem abaixo dos 7,1% registrados em 2024 e dos 7,5% em 2023, quando veio à tona o escândalo contábil da Americanas.
Ambipar no centro da crise de confiança
A Ambipar captou US$ 400 milhões no exterior em 2025, apenas seis meses antes de se ver à beira da recuperação judicial. “Não é comum uma empresa pedir proteção contra credores apenas seis meses depois de emitir dívida no exterior”, disse uma fonte ao Valor.
Embora a empresa ainda não tenha formalizado o pedido de recuperação judicial, o mercado considera o movimento iminente. Os títulos da Ambipar são negociados hoje a cerca de 15% do valor de face, o que indica expectativa de reestruturação. No último balanço, a companhia informou ter R$ 4,7 bilhões em caixa, número considerado insuficiente para tranquilizar investidores.
Efeito dominó: Braskem e Raízen entram no radar
Após a Ambipar, as atenções se voltaram à Braskem. A contratação da consultoria Lazard para analisar sua estrutura de capital ampliou especulações sobre uma possível reestruturação de dívidas.
A Raízen também viu suas bonds despencarem com rumores de perda do grau de investimento. A empresa negou planos de reestruturação e informou que seus controladores avaliam alternativas de capitalização, o que contribuiu para recuperação parcial dos papéis. Ainda assim, fontes ouvidas pelo Valor afirmam que persistem dúvidas sobre a capacidade de Braskem e Raízen de reequilibrar seus balanços.
Outras empresas pressionadas incluem Intercement, Oi, Light e Azul, todas com alta dependência de financiamento via mercado de capitais.
Risco sistêmico e cenário global instável
A aversão ao risco cresce em meio a um ambiente global instável, marcado por falências inesperadas nos Estados Unidos, como a da financeira Tricolor Holdings e da fabricante de autopeças First Brands. Investidores têm priorizado emissores de maior qualidade e menor risco.
Um dos sinais desse movimento veio da siderúrgica CSN, que preparava uma emissão de títulos em outubro, mas desistiu diante da piora nas condições de mercado. O diretor financeiro e de relações com investidores, Marco Rabello, afirmou ao Valor que a empresa segue pronta para emitir quando o cenário melhorar, ressaltando que a alavancagem vem sendo reduzida por geração de caixa e que outras iniciativas de reforço de liquidez estão em andamento.
Mercado doméstico mais resiliente, mas vigilante
Apesar da tensão no exterior, gestores de fundos afirmam que o impacto no mercado doméstico ainda é limitado. Eduardo Alhadeff, sócio e diretor de investimentos de crédito da Ibiuna, avalia: “O que poderia gerar um cenário mais delicado seria uma performance ruim dos fundos causando resgates. Estamos monitorando desde o primeiro caso [Ambipar], mas não vimos sinais de crise.”
Sami Karlik, chefe de crédito da Tivio Capital, complementa: “O mercado foi abalado, mas esses casos já estavam no radar, com sinais prévios de deterioração de crédito. Eventos assim sempre preocupam, mas os fluxos seguem positivos, o que ajuda a estabilizar.”
Felipe Thut, chefe de renda fixa do Bradesco BBI, também descarta uma crise sistêmica: “A perspectiva de crédito não mudou. Não houve surpresas macroeconômicas recentes, como nos juros ou no câmbio.” Segundo ele, o apetite do investidor estrangeiro deve continuar, impulsionado pelos cortes de juros nos Estados Unidos e a busca por ativos de maior retorno.
Confiança em xeque entre estrangeiros
Para Leonardo Ono, gestor de crédito da Legacy, o caso Ambipar provocou uma crise de confiança entre investidores internacionais, ainda que não haja sinais de contágio generalizado. Ele alerta que novas reestruturações de grandes empresas com alta exposição ao mercado de capitais podem rapidamente alterar o humor do mercado.
Ono também destacou a crescente participação de investidores de varejo em títulos corporativos no mercado local, o que torna o ambiente mais sensível, inclusive por causa das perdas em CDBs do Banco Master e em COEs atrelados à Ambipar.
Agências de risco e perspectivas
A Fitch Ratings emitiu alerta sobre possível deterioração nas condições de financiamento para empresas brasileiras, especialmente aquelas com vencimentos próximos e acesso limitado ao mercado internacional — cerca de 10% das companhias sob sua cobertura.
Analistas da Moody’s Local, Alan Nicolau e Lucas Correia, disseram ao Valor que ainda não há reflexos no perfil de crédito das empresas avaliadas — eles não acompanham Ambipar nem Braskem — e que 2025 tem sido um ano equilibrado, com número semelhante de elevações e rebaixamentos de rating.
Procurada, a Raízen reafirmou em comunicado que não considera reestruturação de dívidas. Ambipar e Braskem não comentaram.


