Juiz corta multa de R$10 bilhões da J&F e acusa MPF de coação no acordo da Lava Jato
Decisão afirma que empresa assinou o acordo sob “torção administrativa” e impõe recálculo da multa, que pode cair para cerca de R$1 bilhão
247 - O Poder Judiciário anulou a multa de R$10,3 bilhões do acordo de leniência firmado pela J&F Investimentos, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, com o Ministério Público Federal (MPF) em 2017. Na decisão de 80 páginas, o magistrado Antonio Claudio Macedo da Silva, da 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, concluiu que a empresa foi coagida a aceitar termos ilegais e desproporcionais. O juiz classificou a conduta do MPF como uma forma de “torcer o braço administrativo”, expressão usada para descrever o abuso de poder estatal em negociações. A reportagem é do site Brazil Stock Guide:
Coação e desequilíbrio no acordo
O juiz afirma que a negociação ocorreu em meio a um cenário de “insegurança jurídica sistêmica”, agravado pela sobreposição de órgãos como MPF, CGU, AGU e TCU. Essa fragmentação, segundo ele, foi usada para pressionar a empresa sob ameaça de “aniquilação corporativa”, impedindo uma escolha livre e legítima.
A sentença considera a multa “excessivamente onerosa” e determina o recalculo completo do valor com base em três critérios principais:
Dedução integral dos valores já pagos pela J&F ao Departamento de Justiça dos EUA (DoJ), relativos aos mesmos fatos;
Limitação da base de cálculo à receita e contratos sob jurisdição brasileira, excluindo o faturamento global;
Proporcionalidade ao tamanho da participação acionária da holding nas empresas envolvidas.
O magistrado cita a política norte-americana de “Anti-Piling-On”, que impede a sobreposição de punições por uma mesma conduta e defende que o Brasil adote o mesmo princípio “por dever de boa-fé e comutatividade internacional”.
“Não foi escolha, foi sobrevivência”, diz J&F
Em nota oficial divulgada em 3 de novembro de 2025, a J&F afirmou que o recálculo “desfaz uma injustiça, ao reconhecer a ausência de voluntariedade da empresa na assinatura e a mácula ao cálculo e à legalidade do mesmo”. A empresa destacou o trecho em que o juiz afirma que “a escolha oferecida à autora não foi entre um acordo desvantajoso e um processo justo, mas entre um acordo com cláusulas ilegais e a virtual aniquilação corporativa”.
De acordo com a J&F, o novo valor deve ficar em torno de R$1 bilhão, embora dados da Operação Spoofing — que revelou mensagens entre procuradores da Lava Jato — indiquem que a multa correta seria de cerca de R$595 milhões.
Repercussões e impacto jurídico
A sentença também exclui os fundos de pensão Petros e Funcef, além do BNDES, da ação, por considerar que têm apenas interesse econômico, não jurídico, na causa. O juiz criticou o “caos processual” criado pela multiplicidade de intervenções e reafirmou a competência da vara criminal para decidir sobre o caso, já que foi ela quem homologou o acordo de leniência original.
A decisão ecoa outras reavaliações judiciais sobre o legado da Operação Lava Jato. Em 2023, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), já havia suspendido o pagamento da multa da J&F e autorizado o acesso da empresa a mensagens da Operação Spoofing, apontando “dúvida razoável sobre a voluntariedade” da empresa. Agora, a Justiça Federal confirma o vício de consentimento e estabelece um novo padrão de revisão de leniências.
Um novo paradigma de legalidade
A decisão traz diretrizes que podem balizar futuras renegociações de acordos empresariais no país:
Territorialidade: cálculo de multas restrito às operações domésticas;
Boa-fé internacional: compensação por valores pagos no exterior;
Equilíbrio econômico: sanções proporcionais à capacidade da empresa, sem ameaçar sua continuidade.
O juiz também condenou o MPF, a Petros e a Funcef ao pagamento de custas e honorários advocatícios, classificando a sentença como “ato de restauração da legalidade e da proporcionalidade”.
Para a J&F, controladora de JBS (JBSS3), Eldorado Celulose e outras empresas nos setores de alimentos, papel e financeiro, a decisão representa um marco após anos de disputa judicial e desgaste reputacional. O resultado também fortalece a posição da empresa nas tratativas com a Controladoria-Geral da União (CGU), que conduz repactuações de leniências ligadas à Lava Jato.
Da punição ao devido processo
Embora caiba recurso, a sentença é uma das mais contundentes críticas judiciais à atuação do MPF na Lava Jato. Ao adotar fundamentos do direito comparado e reconhecer a necessidade de proporcionalidade, o juiz Macedo da Silva sinaliza uma mudança de paradigma: da ênfase punitiva para um modelo de responsabilização empresarial dentro do Estado de Direito.


