Demissões em massa atingem império de Elon Musk em meio a desgaste e radicalização política
Altas exigências, disputas internas e apoio político polêmico aceleram a saída de líderes da Tesla e da xAI
247 - O conglomerado de empresas comandado por Elon Musk enfrenta uma onda de baixas em seus quadros de liderança. Ao longo do último ano, executivos de setores estratégicos da Tesla e da xAI deixaram seus cargos, levantando preocupações sobre o ritmo de trabalho imposto pelo bilionário e sobre seu crescente envolvimento em disputas políticas. A informação foi publicada originalmente pelo Financial Times, que entrevistou mais de uma dezena de ex-funcionários e colaboradores atuais.
Segundo o jornal britânico, Musk tem enfrentado dificuldades para manter estabilidade entre seus principais auxiliares, com saídas que atingiram áreas vitais, como vendas nos Estados Unidos, operações de baterias e powertrain, além do setor de assuntos públicos e de tecnologia da informação. Também deixaram o grupo integrantes centrais das equipes responsáveis pelo robô humanoide Optimus e pelas pesquisas em inteligência artificial, apontadas pelo empresário como apostas para o futuro da Tesla.
Exigência extrema e ritmo insustentável
O estilo de gestão de Musk, marcado por jornadas exaustivas, foi citado como um dos principais fatores para a debandada. “A única constante no mundo de Elon é a velocidade com que ele queima seus substitutos”, disse um de seus conselheiros. “Até o conselho brinca: existe o tempo normal e o ‘tempo Tesla’. É um ethos de campanha 24 horas por dia, 7 dias por semana. Nem todos aguentam isso".
Robert Keele, ex-diretor jurídico da xAI, se despediu após 16 meses com uma postagem simbólica em vídeo: um advogado de terno, gerado por IA, gritando enquanto lançava carvão em brasa. “Eu amo meus dois filhos pequenos e não os vejo o suficiente”, afirmou. Já o ex-diretor financeiro da xAI, Mike Liberatore, resistiu apenas três meses antes de migrar para a rival OpenAI, comandada por Sam Altman. “Foram 102 dias — 7 dias por semana no escritório; mais de 120 horas por semana. Eu amo trabalhar duro”, escreveu no LinkedIn.
Rivalidade com a OpenAI e pressões políticas
O lançamento do ChatGPT, no fim de 2022, intensificou a pressão interna. Ex-funcionários relataram que Musk encara a competição com Altman como uma cruzada pessoal. “Elon carrega um ressentimento por causa do ChatGPT e passa cada momento acordado tentando colocar Sam fora do negócio”, afirmou um ex-executivo.
Além do embate tecnológico, seu apoio ao atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a figuras da extrema direita nos EUA e na Europa também têm provocado desconforto. Funcionários relataram que debates políticos tornaram-se um fardo em suas vidas pessoais e profissionais.
Tesla perde veteranos e projetos estratégicos
A Tesla, tradicionalmente o braço mais sólido do império de Musk, sofreu abalos significativos após a demissão de 14 mil trabalhadores em abril de 2024. Muitos líderes abandonaram a empresa em seguida, sobretudo diante da decisão de Musk de cancelar o projeto de um carro elétrico acessível, de US$ 25 mil, e redirecionar investimentos para robótica, IA e robotáxis autônomos.
Entre os que saíram estão Daniel Ho, ex-diretor de programas de veículos, que foi para a Waymo; Drew Baglino, chefe de powertrain e energia; e Rebecca Tinucci, que comandava a rede de supercarregadores e se juntou à Uber após sua equipe ser dispensada. Em agosto, David Zhang, responsável pelos lançamentos do Model Y e do Cybertruck, também se desligou.
Críticas e defesa
Apesar da sucessão de saídas, poucos se manifestam publicamente contra Musk, temendo retaliações. Giorgio Balestrieri, que trabalhou por oito anos na Tesla na Espanha, afirmou que deixou a empresa por acreditar que o bilionário causou “enorme dano à missão da Tesla e à saúde das instituições democráticas”.
Outros, como um ex-funcionário que pediu anonimato, destacaram o desgaste político: “Quem quer lidar com isso? Recebo ligações toda semana. Se sua bússola moral diz que é hora de sair, isso não vai mudar".
Em resposta, a presidente do conselho da Tesla, Robyn Denholm, minimizou a crise: “Sempre há manchetes sobre pessoas que saem, mas não vejo sobre as que entram. Nosso banco de talentos é excepcional e continuamos sendo um ímã para profissionais".
Futuro incerto
A turbulência se estende também à X e à xAI. A integração entre as empresas provocou atritos, como a saída da então CEO da X, Linda Yaccarino, e do cofundador da xAI, Igor Babuschkin. Outras figuras de peso, como engenheiros e diretores de produto, migraram para rivais como a OpenAI e o Google.
Ainda assim, Musk segue ampliando suas apostas em inteligência artificial, mesmo em meio a polêmicas como a do chatbot Grok, que chegou a elogiar Adolf Hitler após mudanças determinadas pelo empresário. Para críticos internos, a cultura organizacional tornou-se um reflexo direto da personalidade de Musk: absoluta, centralizadora e difícil de conciliar.
Um ex-executivo da Tesla resumiu: “Ele é o chefe, o alfa, e quem não o trata assim, ele dá um jeito de eliminar. Elon não enxerga tons de cinza. É calculista, focado e difícil de lidar. Mas se você aceita o objetivo final e aguenta, dá para seguir. Muitos ainda seguem".