TV 247 logo
      HOME > Cultura

      Luz, câmera e memória na China

      Espera-se novo recorde de bilheteria com produção sobre guerra bacteriológica promovida pelo Japão. A posição do cinema chinês 80 anos após o fim da Guerra

      O aguardado filme “731”, do diretor Zhao Linshan, se insere na nova onda de reafirmação patriótica do cinema chinês (Foto: Xinhua)
      Redação Brasil 247 avatar
      Conteúdo postado por:

      Por Fernando Capotondo

      "Debaixo do gelo, ainda pulsa o sangue / as paredes guardam ecos de nomes apagados / Quem contará nossa história? / Não somos pó… somos raiva que germina", diz a canção do trailer oficial de “731”, aguardado filme do diretor Zhao Linshan sobre a unidade bacteriológica do Japão, cujos experimentos contra o povo chinês durante a Segunda Guerra Mundial começam agora a ser conhecidos em muitos países do Ocidente.

      A produção narra a história de um comerciante chamado Wang Yongzhang, preso pelas tropas de ocupação japonesas e, depois, manipulado para colaborar em supostos controles de saúde e prevenção de doenças. “Na realidade, todos os detidos se tornaram vítimas de brutais experimentos médicos, incluindo testes de congelamento, vivissecções e exposições a gases”, explicou o diretor na apresentação.

      A Unidade 731 funcionou em Harbin como principal centro de pesquisa e desenvolvimento de armas biológicas e químicas do Exército Imperial Japonês. Entre 1932 e 1945, milhares de homens, mulheres e crianças foram transformados em cobaias humanas em laboratórios onde se realizavam autópsias sem anestesia, induziam infecções e testavam armas biológicas em corpos vivos.

      “É uma história que não deve ser esquecida, além de um poderoso lembrete para salvaguardar a paz”, alertou Jin Chengmin, consultor histórico do filme e diretor da Sala de Exposição de Evidências de Crimes Cometidos pela Unidade 731.

      “O filme revela as atrocidades humanas cometidas pelo exército japonês sob o olhar de civis comuns e, ao mesmo tempo, destaca o espírito de resistência do povo chinês diante do desespero”, acrescentou o funcionário, segundo a agência Xinhua.

      Nesta semana, voltou a circular um vídeo de 83 minutos com a já conhecida confissão pública de Masakuni Kurumizawa, ex-integrante da Unidade 731, que trouxe detalhes chocantes sobre sua participação nos crimes de guerra cometidos no local. “Dissequei 300 corpos humanos, dos quais um terço foi preservado como espécimes, enquanto o restante foi cremado. Quando realizávamos as dissecações, os corpos ainda estavam quentes e o sangue jorrava”, afirmou o idoso, em gravação produzida no ano passado pelo CCTV Documentary Channel, em colaboração com o Museu da Unidade 731, em Harbin.

      No relato, Kurumizawa admitiu que desenvolveram bactérias para causar peste bubônica, cólera, febre tifoide, disenteria e antraz; declarou que usavam prisioneiros vivos para cultivar os germes mais virulentos; recordou ter feito experimentos com cerca de 3 mil pessoas e estimou que mais de 300 mil cidadãos chineses morreram em decorrência das armas biológicas japonesas.

      Como era esperado, o vídeo viralizou nas redes sociais chinesas: foram mais de 120 milhões de visualizações no Douyin (similar ao TikTok), cerca de 85 milhões no Weibo (combinação de Instagram e X) e aproximadamente 25 milhões no Bilibili (o YouTube chinês). Além do conteúdo, sua ampla difusão foi impulsionada não apenas pela expectativa em torno da estreia de “731”, marcada para 18 de setembro, mas também pela sensibilidade histórica despertada este ano pelo 80º aniversário do fim daquilo que a China chama de Guerra de Resistência do Povo Chinês e Guerra Mundial Antifascista (ou seja, a Segunda Guerra Mundial e a ocupação japonesa do território chinês).

      As fotos do horror

      Essa espécie de reafirmação patriótica do cinema chinês teve um exemplo marcante nas últimas semanas com Dead to Rights, filme sobre o Massacre de Nanjing que arrecadou mais de 1,5 bilhão de yuans (cerca de US$ 210 milhões) em apenas 10 dias após sua estreia, em 25 de julho, segundo a Maoyan Entertainment, gigante chinesa de bilheteria e dados de cinema.

      Também conhecido como O estúdio fotográfico de Nanjing, o longa de sucesso dirigido por Shen Ao mostra o percurso complexo de algumas provas irrefutáveis da chacina de 1937, que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.

      A trama acompanha sete pessoas que buscam refúgio em um estúdio fotográfico de Nanjing, tentando escapar das atrocidades cometidas pelo exército japonês durante a ocupação da cidade. Desesperados, aceitam ajudar o dono ocasional do local, o que os leva a descobrir que os negativos revelados contêm imagens de execuções, rostos mutilados, membros amputados e corpos empilhados — registros que jamais poderiam imaginar, nem nos piores pesadelos.

      “Isto não é uma foto, é prova”, murmura um dos sobreviventes, em uma das cenas-chave, que mostra a decisão do grupo de esconder os negativos para divulgá-los ao mundo exterior — arriscando a própria vida, mas com a esperança de que a verdade venha à tona. Em outras palavras, para que se faça justiça.

      Em entrevista recente, Shen Ao lembrou que “os japoneses transformaram a fotografia em arma de propaganda durante o Massacre de Nanjing”, e por isso decidiu usar o mesmo recurso para expor “os crimes que eles tentaram apagar, as verdades que, mesmo após tantos anos, ainda precisam ser reveladas”.

      O renomado diretor Feng Xiaoning classificou o filme como “um novo marco” do cinema chinês e, em vídeo divulgado após a estreia, descreveu uma cena que considerou inesquecível: “Quando o filme terminou, todos permaneceram sentados, imóveis, até o fim dos créditos. Estávamos todos mergulhados em profunda reflexão”.

      Dead to Rights devolveu protagonismo aos 300 mil mortos do Massacre de Nanjing. Não como uma estatística, mas como um exercício de memória que a China busca preservar em tempos de negacionismo, relativismo e outras posturas difíceis de engolir.

      “Morremos uma vez quando as baionetas atravessaram nossos corpos, e morreremos outra vez se o mundo nos apagar”, advertiu Xia Shuqin, uma das sobreviventes da chacina. Quem quiser ver, que veja, dizem na China.

      ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].

      ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

      Rumo ao tri: Brasil 247 concorre ao Prêmio iBest 2025 e jornalistas da equipe também disputam categorias

      Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

      Cortes 247

      Tags

      Relacionados

      Carregando anúncios...
      Carregando anúncios...