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      O que é o 'princípio de uma só China'

      Resolução da ONU, apoiada por 183 países, volta ao centro do debate após exercícios militares dos EUA em Taiwan e aprovação de lei no Congresso americano

      (Foto: Xinhua)
      Redação Brasil 247 avatar
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      Por Fernando Capotondo, para o 247

      No ano em que a China celebra os 80 anos da retomada de Taiwan da ocupação japonesa, a tensão no Estreito voltou a escalar de forma visível. Dois episódios recentes reacenderam o debate sobre as ambições independentistas de Taipé e o papel dos Estados Unidos na região: de um lado, um exercício militar com o uso do sistema de foguetes HIMARS, potente equipamento de artilharia usado por Washington em zonas de conflito; de outro, a aprovação na Câmara dos Representantes dos EUA da chamada “Lei de Não Discriminação a Taiwan”, que defende a entrada da ilha no FMI — e, por extensão, em outros organismos internacionais — como se fosse um Estado soberano.

      As duas ações acenderam o alerta em Pequim e foram tema de diversas coletivas de imprensa do governo chinês nos últimos dias. Porta-vozes oficiais se revezaram para reafirmar que “Taiwan é uma província da República Popular da China” e denunciaram o que classificaram como um novo ataque ao “princípio de uma só China” — pedra fundamental da política externa do país desde a Revolução e reconhecida oficialmente pela Organização das Nações Unidas em 1971.

      “As provocações bélicas das forças armadas são inúteis e só levarão à autodestruição. Comprar armas dos EUA para se encorajar é uma ilusão, e resistir à reunificação pela força é um beco sem saída”, afirmou Jian Bing, porta-voz do Ministério da Defesa Nacional da China, ao comentar a instalação da primeira companhia de foguetes HIMARS em Taiwan.

      O mesmo porta-voz advertiu que “o Exército Popular de Libertação tem confiança e capacidade para esmagar qualquer ilusão separatista”, em resposta ao líder taiwanês Lai Ching-te, que havia convocado o país a “lutar por Taiwan e por outras regiões” após o aumento no orçamento militar da ilha.

      Nesse contexto, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Mao Ning, rejeitou a lei aprovada em junho na Câmara dos EUA e reafirmou: “Existe apenas uma China no mundo, e Taiwan é uma de suas províncias. Portanto, não há base, razão ou direito para que a ilha participe da ONU ou de outras organizações internacionais cuja filiação se limita a Estados soberanos.”

      Para Chen Binhua, representante do Escritório de Assuntos de Taiwan do Conselho de Estado, os esforços do Partido Progressista Democrático (PPD) para buscar a independência “por meio do fortalecimento militar e da colaboração com forças externas” trarão prejuízos à economia e à confiança dos investidores estrangeiros. Chen também demonstrou preocupação com a viagem planejada por Lai Ching-te a Paraguai, Guatemala e Belize — três dos 12 países que ainda mantêm relações diplomáticas formais com Taiwan. O Ministério das Relações Exteriores da China fez um apelo ao presidente paraguaio Santiago Peña para que “abandone a contramão da história e reconheça o consenso internacional em torno do princípio de uma só China”.

      Segundo Pequim, os olhos da China estarão atentos ao tratamento que os Estados Unidos darão a Lai durante suas paradas previstas em Nova York e Dallas.

      Reações de Taiwan

      As respostas de Taipé não demoraram. O responsável pelos assuntos de Defesa de Taiwan, Wellington Koo, foi o primeiro a justificar a incorporação do sistema HIMARS como parte de uma estratégia para conter o “assédio da China” no estreito. Fontes da ilha também defenderam a nova lei americana contra a discriminação, em tramitação no Congresso, como “instrumento para reforçar os laços de reconhecimento internacional a Taiwan no Ocidente”.

      Um consenso em construção

      Diante da escalada diplomática, o governo chinês aproveitou o momento para ressaltar todos os documentos, resoluções, tratados e acordos internacionais que, ao longo das décadas, ratificaram o princípio de que Taiwan é parte inseparável da China.

      A lista inclui a Declaração do Cairo (1943) e a Proclamação de Potsdam (1945), ambas assinadas por Estados Unidos, Reino Unido e China, que exigiam a devolução dos territórios ocupados pelo Japão — entre eles Taiwan e as ilhas Penghu — como parte da ordem internacional pós-Segunda Guerra.

      Entretanto, a inflexão decisiva, segundo autoridades chinesas, ocorreu em 1971 com a Resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU, que reconheceu oficialmente a República Popular da China como único representante legítimo do país nas Nações Unidas. A partir daí, a maioria dos organismos internacionais passou a tratar Taiwan como província chinesa, sem status de Estado membro ou observador.

      Hoje, segundo o Ministério das Relações Exteriores chinês, 183 países apoiam o princípio de uma só China — incluindo Estados Unidos, Brasil, Argentina, Alemanha, França e Canadá.

      Documentos bilaterais com os EUA

      Além da ONU, a China frequentemente se apoia em três comunicados conjuntos assinados com os Estados Unidos:

      •  Comunicado de Xangai (1972): os EUA reconheceram que “todos os chineses acreditam que há uma só China e que Taiwan é parte dela”, e se comprometeram a não contestar essa posição.
      •  Comunicado de 1º de janeiro de 1979: foi estabelecida relação diplomática formal com a China, com reconhecimento da República Popular como único governo legítimo, embora mantendo laços informais com Taiwan.
      •  Comunicado de 17 de agosto de 1982: reafirmou os compromissos anteriores e manifestou intenção de reduzir gradualmente a venda de armas a Taiwan.

      Na década seguinte, o chamado Consenso de 1992 entre Pequim e Taipé permitiu, sob a premissa de uma única China, que cada lado mantivesse sua própria interpretação sobre o status político da ilha.

      Mais recentemente, em 2022, a China divulgou um Livro Branco sobre Taiwan, propondo a reunificação pacífica com base no modelo “um país, dois sistemas”, similar ao aplicado em Hong Kong. O documento traça um panorama histórico que remonta ao ano 230, citando administrações das dinastias Sui, Song e Yuan, e registra que Taiwan foi transformada em prefeitura em 1684, província em 1885, ocupada pelo Japão em 1895 e reincorporada à China em 1945.

      Um princípio sem solução final

      Entre documentos, advertências e manobras militares, analistas apontam que 2025 será marcado por um marco simbólico incontornável: no dia 25 de outubro, a China comemorará os 80 anos da retomada de Taiwan após a rendição japonesa — uma data que relembra a origem da disputa, mas ainda sem vislumbrar seu desfecho.

      Na região onde se repete que existe apenas uma China, o que ainda não existe — pelo menos por ora — é uma única resposta.

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