Façam suas propostas: China abre participação popular para novo Plano Quinquenal
Governo chinês espera mais de 1 milhão de sugestões da população para elaborar o plano estratégico 2026-2030
Por Fernando Capotondo, para o 247
Pan Jiuren é professor do ensino fundamental em uma pequena escola rural na província de Hunan, região central da China. Sua voz sempre foi firme em sala de aula, mas dizem que tremeu ao ter que expor sua visão sobre o sistema educacional diretamente ao presidente Xi Jinping e a um grupo de autoridades do governo. Passado o susto inicial, recuperou a calma e repetiu, sem hesitar, as observações que havia ensaiado frente ao espelho: “Houve melhorias nas instalações escolares rurais, mas temos problemas com a evasão de talentos em algumas escolas, e está cada vez mais difícil encontrar professores para disciplinas como música e arte. Precisamos formar mais docentes qualificados para atuar nas regiões habitadas por minorias étnicas”, alertou o educador.
O que Pan provavelmente não imaginava é que suas críticas seriam elogiadas pelo próprio Xi, incluídas na última reforma da Lei de Educação da República Popular da China (em vigor desde 2024) e depois destacadas pela mídia estatal como exemplo de uma nova etapa da participação cidadã nos planos quinquenais do Partido Comunista Chinês (PCCh).
Mais de 1 milhão de vozes no planejamento estatal
O XIV Plano Quinquenal (2021-2025) recebeu mais de 1 milhão de contribuições online, vindas de trabalhadores, empresários, estudantes, acadêmicos e camponeses de todo o país. A meta agora é superar essa marca no XV Plano Quinquenal (2026-2030), segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), principal órgão de planejamento econômico da China. Para isso, o governo lançou, no mês passado, uma nova plataforma digital de consultas públicas.
Em junho, cerca de 1,2 bilhão de usuários da internet foram convidados a enviar suas ideias, críticas e sugestões por meio do Diário do Povo, da agência estatal Xinhua, do Grupo de Mídia da China (CMG) e da plataforma digital xuexi.cn, criada pelo PCCh.
Além dos canais virtuais, o governo organizou simpósios presenciais com moradores de regiões mais pobres e, no outro extremo, com representantes dos setores produtivos e da pesquisa em inovação e desenvolvimento econômico.
Consultas com empresários e foco em inovação
Em Xangai, a CNDR promoveu um fórum com empresas de tecnologia como BGI, Moore Threads e Ant Group. Os executivos destacaram que os próximos cinco a dez anos serão cruciais para o avanço estratégico da China. Eles defenderam a rápida integração dos avanços científicos, tecnológicos e industriais já conquistados — a palavra de ordem foi “urgência”.
Essas ações refletem, segundo Xi Jinping, a busca por integrar o “design de alto nível” com a consulta pública, o aprimoramento da pesquisa e o debate coletivo, a fim de formar um consenso amplo sobre os rumos do país.
Vinte anos de participação crescente
O envolvimento popular na elaboração dos planos quinquenais não é recente. Trata-se de um processo em construção desde meados dos anos 2000:
- XI Plano (2006-2010): Primeiro esforço participativo, com uso de pesquisas, correspondências e fóruns institucionais.
- XII Plano (2011-2015): Internet e redes sociais passaram a ser usadas sistematicamente, com apoio do big data para mapear prioridades da população.
- XIII Plano (2016-2020): Estruturação de simpósios temáticos com agricultores, empresários, acadêmicos e representantes das 55 minorias étnicas da China.
- XIV Plano (2021-2025): Institucionalização das consultas públicas via plataformas digitais e ampliação do diálogo com ONGs e think tanks chineses.
Esse modelo evoluiu para uma forma singular de planejamento estratégico, que combina centralismo político com mecanismos crescentes de participação social. “Os planos quinquenais hoje aproveitam ao máximo o papel da internet para ouvir a voz do povo, estimulam o entusiasmo da população na governança nacional e mostram como funciona a democracia socialista com características chinesas na nova era”, explica Zhang Xiaomeng, professor da Universidade Renmin da China.
Um modelo que desafia o Ocidente
A China frequentemente utiliza seus planos quinquenais como argumento contra as críticas ocidentais sobre sua governança. Segundo o governo, os documentos não são mais escritos a portas fechadas, mas construídos ao longo de meses de consultas públicas, com dados coletados em plataformas digitais, fóruns especializados e reuniões populares.
“O plano quinquenal é elaborado após debates amplos e se transforma em uma agenda de ação conhecida pelo povo, que contribui com ela e dela espera resultados positivos. Isso é muito diferente do que ocorre no Ocidente, onde o capital é mais impaciente porque o sistema é guiado por acionistas que exigem lucros rápidos. Por isso, o modelo chinês é mais democrático do que o ocidental”, afirmou o cientista político britânico Carlos Martínez, coeditor da plataforma Friends of Socialist China, em entrevista ao Global Times.
Ainda que o protagonismo popular esteja em alta, isso não significa que todas as sugestões sejam acatadas ou que o processo escape ao controle do Partido Comunista — algo inimaginável na realidade chinesa.
Mas o que parece cada vez mais próximo de se concretizar é o antigo provérbio atribuído a Sun Tzu: “A vitória vem quando os líderes e o povo têm o mesmo objetivo”. A frase, escrita há mais de dois mil anos em A arte da guerra, é repetida pelos líderes em Pequim — e, ao que tudo indica, também ecoa entre os que estão na base.
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