Belém se prepara para a COP30 e resgata suas raízes amazônicas
Cidade fundada sobre o território tupinambá será palco da Conferência do Clima e destaca sua ancestralidade e sabedoria ambiental
247 - A capital paraense, Belém, fundada em 1616, se prepara para receber a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá de 10 a 21 de novembro de 2025. O evento internacional reunirá líderes de todo o mundo em busca de soluções conjuntas para a crise climática global, tendo como cenário uma cidade marcada por profundas raízes históricas e culturais.
De acordo com reportagem da Agência Brasil, Belém nasceu sobre o antigo território do povo Tupinambá, conhecido originalmente como Mairi — uma das civilizações indígenas mais importantes da Amazônia pré-colonial. O historiador Michel Pinho explica que a ocupação humana na região é muito mais antiga do que se acreditava: “Essa região da Amazônia, ao contrário do que foi ensinado por muito tempo, é densamente povoada há 11 mil anos. Existem pesquisadores, como [o arqueólogo] Marcos Magalhães, do Museu Emílio Goeldi, que comprovam uma intensa ocupação ao longo dos rios, lagos e igarapés”, afirma.
A sabedoria ancestral de Mairi
O território de Mairi, explica Pinho, era considerado pelos tupinambás como um espaço sagrado, associado a Maíra, entidade criadora do mundo e guardiã de conhecimentos ancestrais sobre cultivos como a mandioca e o açaí. “Nós atribuímos a outros povos fora da Amazônia esse grau de desenvolvimento tecnológico e social, como é o caso dos maias, aztecas, incas, egípcios, mas os tupinambás também tinham pleno conhecimento e domínio da natureza”, ressalta o historiador.Esses povos, segundo os estudos citados por Pinho e pelo escritor Márcio Souza, autor de História da Amazônia, formavam grandes comunidades, com populações que ultrapassavam mil pessoas em áreas de cerca de 2,5 hectares. “Os tupinambás colocavam a questão Mairi como um ajuntamento, como um grupo de pessoas. E no nosso caso, esse ajuntamento é plenamente explicável pelo fato de ele estar entre dois espaços geográficos fundamentais, que é o Rio Guamá e a Baía do Guajará. Então, você tem locomoção, proteção e também alimentação”, explica o historiador.
Da resistência à fundação de Belém
A chegada dos colonizadores europeus marcou um período de conflitos e resistência. A disputa entre franceses e portugueses levou o capitão Francisco Caldeira Castelo Branco a fundar, com mais de 100 soldados, a cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará, em 1616. O local foi escolhido estrategicamente durante o Natal, após a reconquista do Maranhão, para sediar o Forte do Presépio, símbolo da ocupação portuguesa na região.
Mesmo com os embates, o legado tupinambá permaneceu vivo. “Na verdade, essa ocupação Tupinambá é a prática cotidiana de milhares de pessoas até hoje. Então, a população que está na beira dos rios, nos campos do Marajó, tem uma relação direta com esse passado histórico, no sentido do cultivo do açaí, da castanha, do consumo de peixe, do manejo da floresta. Esse passado não está distante. Ele está presente no nosso cotidiano”, afirma Michel Pinho.
Herança viva e inspiração para o futuro
Os vestígios linguísticos do tupi continuam presentes no cotidiano de Belém — em nomes de ruas, cidades vizinhas como Marituba e palavras corriqueiras como carapanã, usada localmente para designar o que o restante do país chama de pernilongo. Essa herança, destaca Pinho, é símbolo de resistência e sabedoria ambiental que pode inspirar o debate global sobre sustentabilidade.
“Eu acho que é uma relação até poética, porque você tem um passado que ensina o presente. Você tem um habitante da floresta que ensina que derrubar é a pior solução, que o cuidado das águas é fundamental para a existência e que o consumo consciente dos alimentos faz parte de uma sociedade que pensa no futuro. A COP30 precisa pensar que a sustentabilidade do planeta não está no futuro, ela está lá no passado para ensinar a gente”, conclui o historiador.


