Projeto de Lula para regular big techs prevê punições mais duras e responsabilidade civil objetiva
Texto amplia decisão do STF, cria agência reguladora, estabelece novas regras para publicidade digital e reforça proteção de crianças e adolescentes
247 - A versão final do projeto de lei do governo Lula para regular as big techs foi obtida pela Folha de S. Paulo e deve ser enviada ao Congresso na próxima semana. O texto espelha critérios adotados pelo Supremo Tribunal Federal em decisão de junho que modificou o Marco Civil da Internet, mas vai além ao estabelecer responsabilidade civil objetiva das plataformas e ao incluir medidas de combate a fraudes digitais e de proteção à infância.
O projeto cria um novo regime administrativo de responsabilização das empresas de tecnologia, com escopo mais amplo do que a decisão do STF. Enquanto a Corte afastou a possibilidade de responsabilidade objetiva das plataformas, a proposta do governo prevê que empresas possam ser responsabilizadas mesmo sem culpa, especialmente em casos de conteúdos impulsionados ou patrocinados que causem danos a terceiros.
Sanções e suspensão de serviços
As plataformas que descumprirem determinações legais ou deixarem de agir contra conteúdos ilícitos — como crimes contra crianças e adolescentes, incitação ao suicídio, automutilação e atos de terrorismo — estarão sujeitas a sanções administrativas. As punições variam de advertências a multas de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil. Em casos de descumprimento generalizado, os provedores poderão ter suas atividades suspensas por até 30 dias, prorrogáveis por mais 30. A suspensão por prazo indeterminado, contudo, dependerá de ordem judicial.
O texto deixa claro que falhas pontuais não resultarão em punições severas. Somente em situações de descumprimento sistemático haverá sanções mais duras. Se a empresa comprovar que adotou medidas suficientes para mitigar riscos e remover conteúdos ilícitos, poderá escapar de multas e suspensões.
Papel da agência reguladora
A proposta atribui a fiscalização à Agência Nacional de Proteção de Dados, que seria transformada em Agência Nacional de Proteção de Dados e Serviços Digitais. A nova estrutura ganharia mais servidores e funções, além de um Conselho Nacional de Proteção de Dados e Serviços Digitais para auxiliar na formulação de diretrizes.
Essa agência seria responsável por analisar casos de descumprimento, aplicar sanções e supervisionar a atuação das big techs no país.
Publicidade e tributação
Outro ponto polêmico é a regulamentação da publicidade digital. O projeto exige que campanhas voltadas ao público brasileiro sejam faturadas no Brasil e obedeçam à legislação nacional. A medida busca evitar que anunciantes utilizem contratos internacionais para reduzir a carga tributária.
Além disso, a proposta estabelece regras de transparência para anúncios, com informações mínimas sobre anunciantes, público-alvo e formatos de veiculação. O Tribunal Superior Eleitoral já havia adotado exigências semelhantes para campanhas políticas em 2024, o que levou plataformas como Google e X (antigo Twitter) a suspenderem a venda de anúncios eleitorais.
Fraudes e publicidade enganosa
O projeto também amplia a responsabilidade das plataformas em casos de fraudes cometidas por terceiros. Após notificação extrajudicial, empresas terão de agir em até 24 horas para retirar anúncios enganosos ou serviços irregulares, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. A norma se aplica inclusive a campanhas relacionadas a políticas públicas.
Proteção das crianças e adolescentes
Na área de proteção da infância, o texto traz pontos semelhantes ao PL 2628, conhecido como “ECA Digital”. Entre as medidas previstas estão: vinculação de contas de adolescentes menores de 16 anos a adultos responsáveis, ferramentas de supervisão parental, verificação de idade, possibilidade de desativar sistemas de recomendação personalizados e proibição de perfilamento de crianças para fins publicitários.
Diferentemente de versões anteriores, o texto não proíbe o acesso de crianças menores de 12 anos a redes sociais, mas mantém restrições significativas para evitar a exploração comercial e a exposição indevida de menores.
Contexto político
A regulação das big techs é uma prioridade do governo Lula desde o início do mandato, mas ganhou força recentemente após a sobretaxa imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o Brasil e a repercussão de um vídeo do influenciador Felca, que denunciou a adultização precoce de crianças nas redes sociais.
A entrega do texto ao Congresso foi adiada para não coincidir com a votação do PL 2628, marcada para esta quarta-feira (20). Com isso, o governo busca separar os debates e evitar que a discussão sobre proteção infantil atrapalhe a tramitação de sua proposta mais ampla de regulação das plataformas digitais.