Direita quer interferência de Trump na segurança pública do Brasil
Pesquisa Quaest mostra que maioria dos brasileiros é contra intervenção estrangeira na soberania do país
247 - Na esteira do “tarifaço” imposto pelos Estados Unidos, que acabou fortalecendo a popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), parte da direita brasileira tenta agora atrair o apoio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, à agenda de segurança pública, relata o jornal O Globo.
O novo movimento surgiu após uma operação policial no Rio de Janeiro que resultou em 121 mortes — marcada como uma das mais letais na história do país. O campo conservador passa a buscar, publicamente, que a facção Comando Vermelho (CV) seja reconhecida pelos EUA como organização terrorista — uma bandeira que já era cultivada pela oposição, mas que ganha impulso estratégico neste momento.
Virada de foco
A tentativa de “virar a página” para o desgaste provocado pelas tarifas envolve sinalizações públicas da família Bolsonaro e a articulação do governo do Rio de Janeiro, liderado por Cláudio Castro (PL-RJ), para que o Comando Vermelho seja incluído como terrorista. A oposição acredita que a classificação abriria espaço para sanções, bloqueio de ativos e outras medidas internacionais. Especialistas, no entanto, alertam para riscos — entre eles, o afastamento de investimentos, a exposição de vítimas dos grupos a sanções e até a possibilidade de intervenção estrangeira em solo brasileiro.
Carta americana e repercussão
A principal manifestação dos Estados Unidos até agora foi um comunicado enviado à secretaria de Segurança do Rio pelo Drug Enforcement Administration (DEA), através de seu agente no consulado-geral dos EUA no Rio. Nesse documento, assinado por James Sparks, o representante lamenta a morte de quatro policiais durante a operação nos complexos da Penha e do Alemão e oferece “qualquer apoio que se faça necessário”. Para diplomatas brasileiros, no entanto, o teor da carta foi visto apenas como “protocolar”.
No entanto, o teor da mensagem foi rapidamente apropriado por políticos da direita brasileira. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou que o país vive “uma guerra do bem contra o mal”, enquanto o presidente Lula supostamente “se posiciona em defesa de bandidos”. O uso desse discurso revela a tentativa de mobilização eleitoral, apontando para realinhamentos no eixo da segurança pública.
Sinais na rede e base política
Nas redes sociais da família Bolsonaro, há uma tentativa evidente de abandonar o foco anterior nas sanções econômicas contra o Brasil e, em vez disso, associar seu discurso ao combate ao tráfico de drogas articulado pelo governo de Trump. Em maio o governo fluminense apresentou um documento solicitando a qualificação do Comando Vermelho como organização terrorista: a carta argumentava que a facção apresenta “crescente sofisticação, transnacionalidade e brutalidade”.
O pedido especifica que, em caso de inclusão pelo Office of Foreign Assets Control (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA, as empresas e integrantes poderiam perder acesso aos sistemas bancários internacionais em dólar — uma manobra que potencializaria as sanções econômicas internacionais.
O secretário de Segurança do Rio, Victor Santos, afirmou que o objetivo é “alinhar a atuação brasileira às políticas contraterrorismo global, mais cooperação e facilitar extradição de membros de facções”. Contudo, para o governo federal, a classificação não só é inadequada à realidade das facções criminosas brasileiras, como representaria risco à soberania nacional.
Pesquisa mostra rejeição popular
De acordo com levantamento da Genial/Quaest realizado no Rio após a operação, 62% dos entrevistados rejeitam a participação dos EUA no combate ao tráfico no Brasil, contra 36% que aprovam.
Pesquisadores da área apontam ainda efeitos colaterais como a retração de investimentos — já que empresas multinacionais tendem a evitar zonas em que grupos sejam classificados como terroristas — e a maior vulnerabilidade das vítimas de tráfico, visto que práticas de extorsão poderiam passar a ser interpretadas como “financiamento ao terrorismo”, o que colocaria pessoas e empresas comuns sob risco de sanção internacional.
Estratégia política e consequências
Antes mesmo da megaoperação no Rio, já com a controvérsia sobre o valor da força da ação estatal, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou ter “inveja” das operações que os EUA realizavam no Caribe. Em publicação nas redes, ele convidou o secretário de Defesa de Trump, Pete Hegseth, a passar “alguns meses aqui nos ajudando a combater essas organizações terroristas”.
Nesse contexto, o apelo da direita brasileira é visto como uma tentativa de recolocar em evidência uma pauta menos desgastada do que as sanções econômicas — que no passado contribuíram para o fortalecimento do governo Lula. A estratégia busca recompor uma narrativa de firmeza na segurança e alinhamento com os EUA, mas esbarra no sentimento popular e no risco político-diplomático que avaliam observadores do caso.


