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Sara Goes

Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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Você tem exatamente três mil horas para parar de me beijar

A habilidade de Lula em transformar rupturas políticas em reencontros revela um poder sustentado mais pela paciência do que pela imposição

Celso Sabino e Lula (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

O poder, como o amor, é um vício de repetição. A cada crise, a cada ameaça de ruptura, há sempre uma nova chance de reconciliação. O União Brasil anunciou que sairia do governo Lula, escreveu sua carta de adeus e, como quem promete mudar de vida numa madrugada de ressaca, não teve coragem de ir até o fim.

Celso Sabino encenou o drama com precisão. Entregou o pedido de demissão, fez o gesto disciplinado do militante fiel e, dias depois, reapareceu em Belém ao lado de Lula, abraçado ao presidente e ao cargo. Disse que ficava por causa da COP30, mas o que realmente o prendeu foi a força de um vínculo que ultrapassa o cálculo partidário. A política brasileira, quando orbitada por Lula, funciona como o amor cantado por Cazuza: “Você tem exatamente três mil horas para parar de me beijar”. Todo mundo diz que vai embora, mas ninguém consegue.

O União Brasil nasceu dividido, um casamento de conveniência entre liberais e bolsonaristas, sem afeto nem projeto comum. Ao romper com o governo, tentou posar de autônomo, mas revelou o contrário. A maioria dos seus deputados assinou uma carta em defesa de Sabino, agradecendo pelos recursos, pelos investimentos, pelos empregos. Foi o gesto clássico de quem tenta esconder o desejo com um discurso técnico. No fundo, queriam continuar perto.

Lula compreendeu o enredo e fez o que sabe melhor: esperou o tempo fazer seu trabalho. Ele não disputa na base do grito, governa pela paciência. Quando o adversário ameaça sair, oferece uma razão nobre para ficar. Foi assim com Sabino, foi assim também com André Fufuca. No dia 6 de outubro, em Imperatriz, durante a entrega de 2.837 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, o ministro das Cidades, Jader Filho, dividiu o palco com o presidente e com Fufuca, que fez uma confissão pública de reconciliação: “Em 2022, eu cometi um erro, mas agora, em 2026, pode ser que meu corpo esteja amarrado, mas minha alma, o meu coração e a minha força de vontade estarão livres para ajudar Lula a ser presidente do Brasil”.

Há algo de profundamente pedagógico nessa maneira de governar. Lula trata a política como uma relação que precisa ser cuidada, não imposta. Sabe que o poder não se sustenta pela coerção, mas pela escuta, pelo gesto de confiança que desmonta resistências. O convite para Sabino permanecer, sob o argumento de que a COP30 precisava de continuidade, foi também uma lição de paciência: às vezes, o amor político se mantém porque um dos lados decide não desistir primeiro.

No fim, a cena resume o país. Partidos brigam, líderes se afastam, manchetes anunciam o fim, mas o Brasil continua governável porque Lula não fecha a porta nem para quem bate. Como em Cazuza, há sempre mais uma dose, mais uma chance, mais um acordo. A política, nas mãos dele, não é um campo de guerra: é uma canção interminável. E, enquanto houver alguém disposto a ouvir, a noite nunca tem fim.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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