Vejamos se o convite de Trump não é um “passa lá em casa”
Resta saber se o encontro prometido por Trump se confirma e, em sendo confirmado, se será “aberto à mídia”
Bastaram 15 minutos de discurso da tribuna da ONU para que o mundo constatasse o tamanho do estadista que temos.
Bastaram 39 segundos no corredor para que Jair Bolsonaro virasse “arquivo morto” e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse ungido à condição de “um cara legal”, com quem o presidente estadunidense, Donald Trump, quer conversar na “semana que vem”. O que se espera é que o anúncio não se transforme no “passa lá em casa” do carioca e, efetivamente, o elogio ao seu homólogo brasileiro não seja uma arapuca para atrair Lula ao Salão Oval, onde Trump costuma detratar e ridicularizar os seus convidados.
O que se sabe é que, da “coxia”, onde aguardava a sua vez de discursar, Trump ouviu a fala do colega e, ao se dirigir ao púlpito onde Lula acabara de falar, os dois se encontraram e, durante 20 segundos – de acordo com o cronômetro do presidente dos EUA –, trocaram um abraço, se olharam de frente e os santos bateram, como se costuma dizer no Brasil. Para eles, lá, pintou “empatia”, o que Trump definiu com um: “gostei dele. Me pareceu um cara legal”. E, para satisfação de Lula, há muito emitindo sinais de fumaça tanto pelo The New York Times (através de um artigo) quanto por entrevistas nos vários canais de TV locais a que atendeu, de que sim, estava aberto ao diálogo.
Foi o bastante para os comentaristas daquele canal que não dorme comemorarem com o entusiasmo de quem celebra um golaço. Era o sinal que faltava. Ao mesmo tempo, se viu na plateia uma ligeira movimentação sob a forma de cochichos na delegação brasileira, composta de quatro integrantes: o ministro Ricardo Lewandowski, Janja, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, e o chanceler Mauro Vieira. Atitude normal para os que se esforçam há algum tempo tentando abrir um canal de negociações contra o “tarifaço” imposto ao país, graças às futricas e à traição do deputado federal Eduardo Bolsonaro, pago com o nosso rico dinheirinho.
Simultaneamente ao gesto de “acolhimento(?)” de Trump a Lula, no Brasil o vacilão Hugo Motta, que diz presidir a Câmara, anunciava duas medidas em resposta a todos os xingamentos que ouviu no domingo. Onde quer que estivesse, certamente lhe chegaram as ofensas (e foram poucas, todas as que lhe foram destinadas).
O vacilão que usei aí em cima é “pegar leve” frente a tudo o que foi dito a respeito de Huguinho pelas ruas do país no final de semana. Como reação, o quase presidente da Câmara vetou a criminosa e inconstitucional transformação de Eduardo Bolsonaro, o traidor, em líder da “minoria – e bota minoria nisso – nos estates”. Uma espécie de “mandato avançado” para continuar a praticar maldades lá de fora, o que alarga a possibilidade para que seja cassado e muito bem cassado, com um atraso que já significou milhões à nossa movimentação comercial.
Ou seja, os ventos parecem ter mudado por aqui. Resta saber se o encontro prometido por Trump se confirma e, em sendo confirmado, se será “aberto à mídia”. Caso seja, o melhor é Lula se esquivar, agradecer e seguir adiante, com a sua malinha de caixeiro-viajante, abrindo novos mercados. Em pouco mais de dois meses já deu para ver que os 18% de recuo no trânsito de negócios entre os dois países foram rapidamente substituídos por outros portos que recepcionaram os produtos brasileiros, elevando a balança comercial em pouco mais de 6%. Não convém ser transformado em Zelensky, que por sinal ouviu tudo de uma plateia lotada.
Ao contrário do que previram os arautos daquele canal que não dorme (disseram mais cedo que talvez enchesse porque a ONU costuma colocar funcionários para fazer figuração, enquanto líderes desimportantes discursam), contou com delegações de peso, como as da China, Rússia e até mesmo de Israel. Seus integrantes puderam ouvir um Lula emocionado condenar o “genocídio” em Gaza. Não sem antes ter o cuidado de mencionar o atentado de 7 de outubro. Estava lá, também, ouvidos atentos, a senhora chefe da União Europeia, Ursula von der Leyen, e muitos chefes de Estado do continente africano.
A fala de Lula, contundente, com críticas conceituais ao atual formato da ONU, instituição onde discursava, foi sóbria ao apontar as falhas. Ao passo que Trump, cansado depois de subir a escada rolante emperrada e sem o socorro do teleprompter, que falhou justo na sua hora, soltou abobrinhas, criticando como uma comadre fofoqueira, desde o piso até a decoração e os tropeços a que tinha sido submetido.
Sem contar que, a exemplo do “ex-amigo” Jair Bolsonaro – em 2020 Jair descreveu o país do sonho dos brasileiros, mas tão fictício quanto a história da Branca de Neve, e que tive oportunidade de descrever neste artigo (https://www.brasil247.com/blog/eu-quero-me-mudar-para-o-pais-descrito-por-bolsonaro-na-onu) –, Trump fantasiou um EUA que os estadunidenses não conhecem.
“O salário dos trabalhadores sobe muito mais que nos últimos 60 anos”, cartou, sem citar um percentual. “Em sete meses acabei com sete guerras”, esbravejou, sem detalhar os acordos. “Em quatro meses seguidos o número de imigrantes entrando em nosso país é zero”, mandou, sem citar fonte. Mas, vá lá. Ele mesmo tratou de tirar o brilho da sua fala ao deixar para o final a notícia que virou manchete: elogiou o Brasil e o nosso presidente, acenando para um diálogo. O que ele não sabe é que, se encontrar Lula em petit comité, poderá ser irremediavelmente conquistado. Difícil resistir aos seus argumentos, emoldurados por um sorriso que mora entre duas covinhas no canto de sua boca.
Aguardemos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.