Mais nove militares serão julgados, enquanto outros sete aguardam a perda de cargo e patente
Réus são acusados de planejar “ações táticas” para efetivar o plano golpista
O grupo responsável por pressionar severamente o Alto Comando do Exército para aderir à trama golpista, em favor da permanência no poder, de Jair Bolsonaro, será o próximo a ir a julgamento. O procurador Geral da República, Paulo Gonet, encaminhou pedido ao Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (15/9), da condenação de nove réus do Núcleo 3. Nas alegações finais enviadas ao STF, última fase antes do julgamento, Gonet reiterou a denúncia apresentada contra os réus, que são acusados de planejar “ações táticas” para efetivar o plano golpista.
Para Gonet, “graças à ação dos acusados, o Alto Comando do Exército foi severamente pressionado a ultimar o Golpe de Estado, autoridades públicas estiveram na mira de ações violentas e forças terrestres foram disponibilizadas aos intentos criminosos”.
O procurador-geral da República reforçou que Bernardo Romão Corrêa Netto, Estevam Cals Theophilo Gaspar De Oliveira, Fabrício Moreira De Bastos, Hélio Ferreira Lima, Márcio Nunes De Resende Junior, Rafael Martins De Oliveira, Rodrigo Bezerra De Azevedo, Sérgio Ricardo Cavaliere De Medeiros e Wladimir Matos Soares sejam condenados pelos crimes:
• organização criminosa armada
• tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito
• golpe de Estado
• dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima
• deterioração de patrimônio tombado
Há nesse grupo provas em abundância sobre a atuação dos seus integrantes. Porém, sem encontrar elementos suficientes para enquadrar nos demais crimes a conduta do denunciado Ronald Ferreira De Araujo Júnior, o PGR pediu que a sua atuação seja enquadrada apenas como incitação ao crime, uma vez que, diferentemente dos demais acusados, não foram reunidos elementos que comprovem a ligação do réu com a organização criminosa.
Assim como os militares do Grupo Crucial, também os nove réus que irão para a segunda leva de julgamento serão, ao fim e ao cabo, julgados no Superior Tribunal Militar (STM), que poderá ou não os considerar indignos para as fileiras das Forças Armadas, levando-os a perder cargo e patente. Ao mesmo tempo, a qualquer momento os superiores desses militares poderão levá-los também ao Conselho de Justificação – um julgamento administrativo -, que também os condena ou não à expulsão das fileiras.
Esse é o caso, por exemplo, do tenente-coronel Mauro Cid, que apesar de ter tido uma pena de dois anos a ser respondida em liberdade, por ter feito um acordo de colaboração, pode ser levado ao Conselho de Justificação pelo seu superior, se este entender que deve processá-lo.
Dois anos é o tempo limite para a abertura do processo de indignidade. Os que recebem pena maior que isso podem ser julgados e expulsos das fileiras. Porém, não o exime de ser levado ao Conselho.
O que se diz, no entanto, é que Mauro Cid, apesar de ter causado desgosto profundo entre os seus pares por se submeter à delação, um ato imperdoável nas Forças Armadas, é um “queridinho” do Alto Comando, que certamente o deixará ir emborapara os EUA – esse é o plano exposto por Cid -, sem incomodá-lo.
O Conselho de Justificação foi criado no Brasil pela Lei nº 5.836, de 1972, em plena vigência do regime militar (1964-1985). O instituto surgiu como “resposta à necessidade de um mecanismo colegial e administrativo capaz de apurar condutas reputadas incompatíveis com a condição de oficial, preservando: a honra e a dignidade das Forças Armadas; a confiança da sociedade civil na carreira militar e as garantias de defesa do oficial submetido ao processo”.
A justificativa para a sua criação era que o Conselho representava “uma solução de equilíbrio entre o poder disciplinar do Comando e a proteção individual dos oficiais, evitando decisões arbitrárias e consolidando um sistema que alia hierarquia, disciplina e respeito ao devido processo legal”.
Já a Constituição brasileira de 1967 previa a perda de posto e patente por meio de representação, e a Constituição de 1988, atualmente em vigor, reforçou esse instituto no art. 142, § 3.º, VI. O objetivo é “conferir ao Estado um instrumento jurisdicional para afastar do oficialato aqueles que, em razão de condutas criminais graves, perderam a idoneidade moral exigida pela farda. Trata-se de um mecanismo de exceção, de natureza sancionatória e simbólica, pois reafirma perante a sociedade que o oficialato deve ser sinónimo de honra, probidade e exemplo cívico”.
É importante deixar claro que o rito estabelecido no STM não revisa os crimes já julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas verifica a repercussão da condenação na carreira militar, obedecendo as seguintes fases:
a) - O MPM apresenta ao STM a Representação para a Declaração de indignidade para com o oficialato;
b) - É designado um ministro relator que concede prazo até 10 dias para a defesa escrita dos acusados. Caso não haja resposta, nomeia-se um defensor público.
c) - O processo é encaminhado por um ministro revisor e, em seguida, é incluído em pauta de julgamento.
d) - O plenário do STM, composto por 15 ministros (10 militares e cinco civis), delibera em sessão pública, necessitando um quórum de dois terços para haver o julgamento.
e) - Em havendo empate prevalece a decisão mais favorável ao réu.
f) – Com a decisão definitiva em mãos, o comandante das respectiva Força – Exército, Marinha ou Aeronáutica -, é notificado para adotar medidas administrativas, como a suspensão de vencimentos e prerrogativas.
g) A perda de posto e patente pode ser revista caso o réu seja posteriormente absolvido em outra instância criminal.
O quadro que se está observando, hoje, de ver na condição de perda de cargo e patente de generais e um almirante, nunca foi visto antes. Ainda que tanto os comandos quanto o ministro da Defesa, José Múcio, tenham vido a público dizer que a instituição é uma coisa e os indivíduos que caíram em erro não representam o todo dessas instituições, fato é que já houve um abalo na imagem das Forças Armadas. O que se comenta é a má formação dos seus oficiais, constatada a partir de mensagens eivadas de palavrões e um português sofrível. Além, é claro, do desvio de conduta, não tolerado em militares de qualquer patente.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.