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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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A história nos mostra: pacificação só virá com a punição

O que pacifica o país, Huguinho deveria saber, é a punição exemplar contra os criminosos e o respeito à decisão do STF

Jair Bolsonaro e Hugo Motta (Foto: Amanda Perobelli / Reuters I Agência Câmara)

Às vezes tem-se a impressão de que o campo progressista é composto de um bando de Sísifos, que na mitologia grega foi condenado a rolar uma pedra montanha acima e, vencido pelo cansaço, deixá-la escapar de volta, tendo que recomeçar sempre a mesma tarefa. É esta a sensação de hoje. Depois de assistirmos por horas a fio – e bota horas nisso -, o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) para vermos condenado o líder de um golpe de Estado (Jair Bolsonaro) e os seus sete comparsas, sabermos que por trás das nossas costas há membros daquela corte, mais elementos do próprio governo que sofreu a ameaça de golpe, sentar-se com folgados do Centrão, buscando livrar da pena merecida os que tramaram contra a democracia, incluindo plano de mortes, é desanimador.

Em primeiro lugar, há que destacar o fato de ser alta traição aos colegas, seja lá quem for esse ministro que está a dialogar contra a sentença exarada, para desfazer o que foi feito e muito bem-feito, pela primeira turma. 

Segundo, porque a fala do presidente Lula (se é que foi proferida) saiu fora do lugar. O poder executivo não deveria se pronunciar a respeito do trabalho ainda inconcluso da suprema corte, para tolerar reduzir a pena dos seus algozes. O correto teria sido ele dizer, como já fez o vice-presidente Geraldo Alckmin, que esse é um trabalho a cargo do STF. E, terceiro, porque não é verdadeira a afirmação do presidente da Câmara, de que o país só será pacificado com a votação da anistia ou pela redução da pena dos golpistas. 

A História já provou, como está registrado no trabalho de fôlego do historiador Carlos Fico, “Utopia Autoritária Brasileira”, que os anistiados por tentativas de golpe de Estado sempre voltam para concluir o seu trabalho. Ou seja, reincidem, insistem, são determinados. Não por acaso estamos assistindo a esse golpe continuado que desemboca em pautas vergonhosas - como a PEC da Bandidagem -, articuladas em manobras indecentes, peçonhentas, sibilinas e camufladas. 

Age assim, o presidente da Câmara, Hugo Motta, cria de Eduardo Cunha, que por sua vez pariu Arthur Lira, que amassa entre os dedos o jovem-velho Huguinho, numa manipulação escandalosa, a fim de fazer valer o calendário que beneficia Bolsonaro. Essa é a verdadeira “volta dos que não foram”. Nem bem receberam a condenação e já buscam o perdão para o que não tem decência nem nunca terá. 

O que pacifica o país, Huguinho deveria saber, é a punição exemplar contra os criminosos e o respeito à decisão do STF, deixando claro que os poderes funcionam e mantêm independência.

E não é o que acontece. Centrão e PL fazem do Congresso um verdadeiro playground. Tomam a mesa, sentam-se no púlpito, se trombam em intermináveis registros para posts no X e, claro, tratam de tornar o espaço uma verdadeira “ilha da fantasia”, onde depois de aportar, a meta é a reeleição e a isenção a qualquer custo (principalmente o de emendas). 

Tornam-se inatingíveis. Tornam-se cínicos. Lutam apenas pelo que convém. E aí incluo membros do PT, que apesar de alegarem ter votado pela PEC da Vergonha, a fim de barrar a proposta da anistia, buscaram também os seus interesses pessoais. Ou um deles não tem olhos compridos pela indicação ao TCU de Minas?

O que impressiona é o quanto estão dispostos a amoldar a Constituição às suas conveniências e não o contrário. Errou? A Lei é que se torne elástica o suficiente para caber naquele crime e não o nobre deputado que se preocupe em não o cometer, numa inversão gritante de valores e ética. A tal ponto de quererem, agora, exportar um mandato para os Estados Unidos, para encontrar-se com o eleito pelo Estado de São Paulo, que de lá nos ameaça. É ou não é o fim do mundo? 

E só para voltar ao conceito de Sísifo, nós a tudo assistimos e, de volta com a pedra nos ombros, recomeçamos a luta para crédulos, tentar mudar o rumo das coisas. O que nos resta? No próximo domingo, colocar a pedra nos ombros e ir às ruas gritar as palavras de ordem: “Sem anistia” e “Abaixo a PEC da Bandidagem”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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