Maria Luiza Falcão Silva avatar

Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

96 artigos

HOME > blog

Tarcísio e a tentação autoritária: Brasil entre dois projetos

A hipótese de convergência entre Trump e um eventual governo Tarcísio é mais que plausível

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A estratégia de Donald Trump de capturar estruturas de poder em benefício pessoal não se limita aos Estados Unidos. Seus efeitos irradiam, servindo de referência para outros líderes autoritários. No Brasil, o bolsonarismo segue vivo, mesmo que Jair Bolsonaro, desgastado, acuado e juridicamente fragilizado, aguardando ser preso a qualquer momento, já não ocupe o centro da cena. O risco está em sua metamorfose: um bolsonarismo sem Bolsonaro, mais sofisticado, disciplinado e com maior aceitação entre elites econômicas. É nesse contexto que Tarcísio de Freitas desponta como alternativa.

O bolsonarismo sem Bolsonaro

Entre 2019 e 2022, Jair Bolsonaro deixou cicatrizes profundas: ataques às instituições, negação da ciência, desmonte de políticas sociais, incentivo à violência política e corrosão da confiança no processo eleitoral. Sua derrota não extinguiu essa agenda. Pelo contrário: abriu caminho para um herdeiro mais “palatável” ao establishment.

Tarcísio, engenheiro formado no ITA, ex-ministro da Infraestrutura e atual governador de São Paulo, encarna esse papel. Mantém as pontes com o eleitorado conservador, mas sem as bravatas golpistas. Para muitos, representa o “bolsonarismo de terno e gravata”: mais técnico no discurso, igualmente autoritário no conteúdo.

Por que Tarcísio agrada à Faria Lima?

  1. Perfil “técnico” e confiabilidade econômica: Apresenta-se como gestor eficiente, pragmático, que entrega obras. Essa imagem atrai o mercado financeiro, sedento por previsibilidade em política fiscal, privatizações e concessões.
  2. Continuidade da agenda liberal: Ao contrário de outros nomes da extrema-direita, Tarcísio não rejeita a cartilha neoliberal. Defende teto de gastos, disciplina fiscal e abertura ao capital internacional. Bolsonaro ameaçava a ordem com discursos golpistas; Tarcísio mantém a prática conservadora, mas com retórica “responsável”.

Bolsonarismo sem custo Bolsonaro: Para a Faria Lima, o cálculo é perfeito: obter milhões de votos fiéis ao bolsonarismo sem carregar a figura tóxica de Bolsonaro. Autoritário na prática, palatável no discurso.

O contraste com Lula e o campo progressista

É aqui que a diferença se torna clara. Sob Lula, o Brasil retoma investimentos sociais, fortalece estatais estratégicas, impulsiona a indústria nacional e prioriza a agenda ambiental. O governo aposta em crescimento com inclusão, integração internacional mais autônoma e políticas que reduzem desigualdades históricas.

Para o mercado financeiro, isso soa como ameaça: mais gasto social, juros em queda, maior presença do Estado. É justamente o oposto do receituário preferido pela Faria Lima. Tarcísio aparece, assim, como o antídoto conservador: contenção do gasto público, continuidade da financeirização e redução do Estado a mero garantidor do capital.

Trump e a convergência autoritária

A hipótese de convergência entre Trump e um eventual governo Tarcísio é mais que plausível. O alinhamento seria imediato: aceitação do tarifaço contra o Brasil, indiferença a retaliações comerciais, apoio ao enfraquecimento das instituições democráticas em nome da “eficiência”.

Trata-se de um autoritarismo repaginado, com aparência de modernização, mas que na prática mina direitos sociais, flexibiliza regulações ambientais e reduz a democracia a um ritual eleitoral vazio.

No cenário internacional

Na arena da geopolítica mundial, a diferença entre Lula e Tarcísio é abissal. Lula se consolidou como uma liderança global, capaz de articular consensos em fóruns multilaterais, projetar o Brasil como potência ambiental e construir pontes com África, Ásia e América Latina. É ouvido no G20, no BRICS e na ONU porque combina legitimidade democrática com visão estratégica de um mundo multipolar, projetando o Brasil como voz do Sul Global capaz de negociar em todos os polos de poder.

Já Tarcísio de Freitas, sem trajetória internacional, seria um governante provinciano diante de disputas cada vez mais complexas. Herdeiro da lógica bolsonarista, tende a repetir o desprezo de seu antecessor pela China, maior parceiro comercial do Brasil, não se interessa pelas relações do Brasil com a América Latina e compactua com líderes como Donald Trump e Netanyahu, com os quais partilha afinidade ideológica. Esse alinhamento automático reduziria o Brasil a coadjuvante de uma agenda conservadora, quando o mundo clama por líderes como Lula, capazes de mediar conflitos, defender o clima e afirmar a soberania nacional sem se curvar a nenhuma potência.

Num mundo em que soberania exige presença ativa e capacidade de negociação, Tarcísio representaria a volta do Brasil à irrelevância, enquanto Lula projeta protagonismo. 

A responsabilidade democrática

Frente a esse cenário, a resistência não pode ficar apenas nas mãos de Lula e do governo federal. É tarefa coletiva: partidos, movimentos sociais, universidades, imprensa e sociedade civil precisam reforçar a vigilância democrática.

O exemplo norte-americano é um alerta: Trump transformou o aparato estatal em arma política. No Brasil, a ameaça é real: um bolsonarismo reorganizado, sem o fardo Bolsonaro, mas com sua mesma lógica corrosiva.

Não basta resistir ao passado caricato. É preciso preparar-se para não permitir que o herdeiro disciplinado, respaldado pelo capital financeiro e, possivelmente, pela Casa Branca cheguem ao poder. O futuro democrático do Brasil depende da capacidade de reconhecer esses sinais e combatê-los. A luta é agora.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados

Carregando anúncios...