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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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O valor do planejamento: uma lição chinesa para o Brasil

O contraste com o Brasil é brutal

Bandeiras do Brasil e da China por ocasião de visita do presidente Lula a Pequim - 13/05/2025 (Foto: REUTERS/Tingshu Wang)

Essa semana pude ler, no ChinaDaily, uma matéria do Partido Comunista da China sobre as principais metas a serem atingidas no país nos próximos cinco anos. Comunicação clara, simples e direta. Estamos distantes de fazer algo parecido.

A pedagogia do futuro na China

Uma das marcas mais notáveis da experiência chinesa é a cultura do planejamento estratégico de longo prazo. Desde o fim da década de 1950, mas sobretudo a partir das reformas de Deng Xiaoping, o país estabeleceu um hábito que se tornou parte de sua vida política: os planos quinquenais. Mais do que simples documentos técnicos, esses planos são divulgados amplamente, debatidos pela sociedade e acompanhados com rigor. Estão nas páginas dos jornais, em programas de televisão, em relatórios que chegam às escolas e universidades. Cada cidadão sabe que há um norte coletivo — metas para o crescimento econômico, indicadores sociais, desenvolvimento científico, preservação ambiental e, mais recentemente, compromissos climáticos.

Esse “costume extraordinário” vai além da burocracia. É uma pedagogia política, uma verdadeira pedagogia de futuro. O planejamento estratégico chinês não é apenas instrumento de governo, mas também mecanismo de comunicação com a população. Ele educa para a ideia de que o futuro é construído com escolhas racionais e coordenadas, não com improvisos ou slogans de ocasião. O efeito pedagógico é claro: os cidadãos sabem que existe um horizonte coletivo e que o Estado organiza o caminho a seguir.

Desde os primeiros planos quinquenais, ainda nos anos 1950, essa prática ganhou corpo e se transformou em um dos pilares da estabilidade chinesa. Gera previsibilidade e confiança. Empresários e trabalhadores conhecem quais setores serão prioritários, onde se concentrarão os investimentos e que metas guiarão o país em médio e longo prazos. O planejamento chinês não é mera burocracia. É instrumento de coesão social e de mobilização nacional.

O Brasil e o improviso como regra

O contraste com o Brasil é brutal. Apesar de termos ensaiado experiências importantes, como o “Plano de Metas de Juscelino Kubitschek”, que guiou o desenvolvimento industrial e urbano nos anos 1950, realizado esforços de planejamento durante o regime militar, criado o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1964, e fortalecido o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), nunca consolidamos o planejamento como prática institucional estável. Dispomos também de bancos públicos como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal que são fundamentais para dar suporte a um planejamento sólido.

A Constituição de 1988 chegou a prever o Plano Plurianual (PPA) como mecanismo de integração das políticas públicas. Mas, na prática, o PPA tornou-se um documento formal, pouco discutido pela sociedade e, muitas vezes, ignorado pelos governos seguintes. A cada mudança de presidente, abandonam-se metas anteriores e lançam-se novas iniciativas de forma desarticulada.

O resultado é uma nação refém da improvisação. Pacotes econômicos de emergência, programas sociais descontinuados e projetos de infraestrutura parados no meio do caminho se tornaram parte do nosso cotidiano. As prioridades mudam ao sabor da conjuntura política, e o país carece de um fio condutor que dê sentido às escolhas estratégicas de longo prazo.

Planejar não é autoritarismo

Um dos equívocos que alimentam a rejeição ao planejamento no Brasil é a associação imediata com autoritarismo ou excesso de intervenção estatal. Mas o exemplo chinês e de democracias como França, Japão e Coreia do Sul mostram o oposto: planejar é submeter o futuro à racionalidade, à transparência e ao debate público.

A falta de planejamento é que abre espaço para decisões arbitrárias, tomadas na pressa ou guiadas por pressões corporativas de curto prazo. Planejar é organizar as prioridades, explicitar metas e permitir que a sociedade cobre resultados. É, portanto, um exercício de democracia substantiva, não uma ameaça a ela.

A urgência de um projeto nacional

O Brasil é um país de dimensões continentais, com abundância de recursos naturais e enorme diversidade produtiva. Temos água, energia limpa, terras agricultáveis, terras raras e biodiversidade como poucos países no mundo. Mas sem planejamento, essas riquezas tornam-se dispersas, exploradas de forma predatória ou capturadas por interesses externos.

A ausência de um projeto nacional claro nos deixa vulneráveis: dependemos das oscilações do mercado internacional, das pressões geopolíticas e dos ciclos eleitorais internos. Basta ver como, a cada crise, o país reage com medidas improvisadas — seja elevando juros, seja oferecendo subsídios pontuais — mas raramente com uma visão integrada de desenvolvimento.

Planejar para o século XXI

O Brasil precisa resgatar a cultura do planejamento estratégico. Isso significa dar vida ao PPA, transformando-o em documento central, amplamente debatido pela sociedade, acompanhado pela mídia e usado como guia de médio prazo para o setor privado e para o Estado.

Mais do que isso, precisamos de planos que incorporem as grandes questões do século XXI: a transição energética, o combate às desigualdades, a reindustrialização em bases tecnológicas avançadas e a preservação ambiental.

A COP 30, que será realizada em Belém do Pará, mostra como o mundo olha para o Brasil como potência climática. Sem um planejamento claro, corremos o risco de desperdiçar mais essa oportunidade histórica.

Enquanto a China se educa e se mobiliza em torno de planos públicos e transparentes, o Brasil continua prisioneiro da improvisação. É necessário inverter essa lógica. Planejar não é engessar, é dar rumo. Não é limitar o futuro, é construí-lo com base em escolhas conscientes e metas compartilhadas.

Sem essa cultura, permaneceremos reféns de governos de ocasião e incapazes de aproveitar plenamente nosso potencial. Com ela, poderemos finalmente desenhar um projeto nacional que una desenvolvimento econômico, justiça social e sustentabilidade.

O costume extraordinário dos chineses deveria nos inspirar a transformar o planejamento em hábito democrático e em instrumento permanente de construção do Brasil que queremos: democrático, soberano, menos iníquo e com oportunidades iguais para todos os cidadãos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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