TV 247 logo
      Sara Goes avatar

      Sara Goes

      Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

      86 artigos

      HOME > blog

      Soberania mineral: O subsolo é político

      Minérios estratégicos colocam o Brasil no centro da disputa por soberania tecnológica. No Vale do Jequitinhonha, Lula deixou claro: aqui, ninguém põe a mão

      Lula (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

      O Brasil entrou definitivamente no centro da disputa global por minerais estratégicos. Desde junho de 2025, diferentes órgãos do governo federal passaram a reconhecer publicamente o papel geopolítico dos chamados minerais críticos, como terras raras, nióbio, lítio e grafita. Em audiência pública no Senado em 17 de junho, o Ministério de Minas e Energia declarou que “o Brasil tem uma janela de oportunidade para se tornar ator estratégico nas cadeias globais de valor da transição energética”. A fala de Rodrigo Cota, diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral (DTTM) da SGM, marcou um ponto de inflexão na política mineral do país: os recursos não são apenas commodities, mas vetores de soberania industrial, energética e digital.Esse posicionamento institucional se apoia em fundamentos técnicos. A Nota Técnica nº 11/2024 – DTTM/SGB/MME identifica minerais como lítio, terras raras, grafita, níquel, cobre e cobalto como essenciais para a transição energética global. O documento afirma que o Brasil detém reservas relevantes desses insumos e reúne condições estratégicas, como matriz energética renovável, base científica qualificada e capacidade tecnológica instalada, para desenvolver uma cadeia de transformação de alto valor agregado.Essa reorientação teve desdobramentos concretos. No dia 1º de julho, a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, publicou a Chamada Pública MCTI/FINEP/FNDCT – Transformação Mineral – Minerais Estratégicos (edital disponível aqui), com orçamento de R$ 70 milhões. O objetivo, segundo o próprio edital, é “apoiar o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras para transformar o potencial mineral do Brasil em capacidade produtiva de alto valor agregado”, enfatizando a importância da verticalização da cadeia produtiva e da soberania científica e tecnológica para garantir a competitividade do país.

      Lítio, grafita, cobalto, nióbio, cada um cumpre função vital em tecnologias estratégicas. O lítio armazena energia em veículos elétricos e dispositivos móveis. A grafita é essencial nas baterias de íons. O cobalto confere estabilidade a turbinas e reatores. O nióbio reforça ligas metálicas usadas em mísseis, próteses e infraestrutura aeroespacial. Exportar esses minérios sem domínio do ciclo produtivo é abrir mão da soberania em nome da pressa alheia.

      Na mesma semana, foi lançado o projeto MagBras - Da Mina ao Ímã, iniciativa nacional coordenada pelo SENAI, com apoio da FIEMG, da FIESC e do BNDES, reunindo 28 empresas e institutos de pesquisa para consolidar a cadeia produtiva de ímãs permanentes no Brasil. Com investimento total de R$ 73 milhões, a iniciativa busca desenvolver insumos usados em motores elétricos, turbinas eólicas, sensores e equipamentos médicos e militares. Segundo comunicado da FIEMG, a iniciativa representa um passo estratégico na direção de um sistema produtivo integrado e menos dependente de insumos estrangeiros.

      Mas o Brasil não está sozinho nessa corrida. Em meio ao tarifaço imposto por Donald Trump contra produtos brasileiros, os minerais críticos surgem como uma carta geopolítica nas mãos do governo. O Departamento de Defesa dos EUA reconhece, em documentos oficiais, sua dependência de ímãs e componentes refinados na China. Como contrapartida à tentativa de isenção tarifária, diplomatas norte-americanos têm procurado autoridades e empresas brasileiras para viabilizar acordos de fornecimento com transferência de tecnologia e acesso preferencial ao mercado interno.

      Essa movimentação diplomática foi confirmada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Em nota publicada no dia 23 de julho, o instituto informou que o encarregado de negócios da embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, manifestou em reunião institucional o interesse do governo americano em estabelecer parcerias estratégicas com o setor mineral brasileiro. A visita de Escobar ao IBRAM teve como pauta central a agenda da missão empresarial brasileira aos EUA, com foco em minerais críticos e estratégicos. O diretor-presidente do instituto, Raul Jungmann, ex-ministro de FHC e Temer, afirmou que a geopolítica dos minerais críticos é hoje um campo de disputa central e defendeu uma política nacional de soberania mineral que garanta valor agregado, domínio tecnológico e controle sobre as reservas estratégicas.

      Não é a primeira vez que o Brasil se vê diante dessa encruzilhada. A história do nióbio é exemplar. Detentor de mais de 85% das reservas conhecidas no mundo, o país foi pioneiro na pesquisa de sua purificação e aplicação industrial. O chamado “Projeto Nióbio”, idealizado no fim dos anos 1970 e desmantelado na década de 1990, reuniu pesquisadores da Unicamp e da EEL-USP para desenvolver um forno de feixe de elétrons capaz de fundir o metal a mais de 2.500 °C, com grau de pureza inédito à época. Amostras refinadas foram enviadas ao Instituto Max Planck, na Alemanha, e a centros de pesquisa no Japão. Segundo a professora Rosa Conte, “essa tecnologia permitia retirar impurezas como oxigênio, nitrogênio e hidrogênio por condensação em painéis de cobre refrigerado, algo inédito na época”. O metal era transformado em fios para supercondutores, magnetos hospitalares e protótipos de trens de levitação magnética.

      Esses dados foram revelados no final do ano passado no programa Brasil com Ciência, produzido pelo SindCT (Sindicato dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial), que resgatou a trajetória da iniciativa e denunciou o abandono do projeto durante o ciclo neoliberal dos anos 1990. Apesar do sucesso técnico e da viabilidade econômica, o projeto foi descontinuado com o desmonte das estruturas públicas de financiamento à pesquisa. Hoje, parte dos equipamentos ainda existe e há um esforço para criar um memorial. Enquanto isso, a Companhia Brasileira de Mineração e Metalurgia (CBMM), que controla a maior jazida de nióbio do mundo em Araxá (MG), exporta o minério basicamente in natura. Cerca de 30% da empresa pertence a consórcios asiáticos. O que foi abandonado pelo Brasil alimenta, agora, as cadeias de inovação do Japão, da Alemanha e da China.

      A diferença é que a China não apenas domina o refino: ela criou a demanda. Foi a decisão estratégica de Pequim, ao longo das últimas décadas, de transformar os minerais estratégicos em base industrial de uma nova ordem tecnológica que impulsionou o mercado global. Ao limitar exportações e dominar os processos de purificação, os chineses transformaram o que antes era insumo invisível em ativo de poder. A disputa geopolítica por terras raras, grafita e nióbio só existe porque há uma infraestrutura asiática pronta para transformar minério em hegemonia. É nesse cenário que os recursos brasileiros voltam à cena não como coadjuvantes, mas como trunfo. Não apenas como matéria-prima, mas como condição de barganha diante das pressões externas, inclusive no enfrentamento direto com os Estados Unidos.

      Foi nesse contexto que, no Vale do Jequitinhonha, durante a cerimônia de anúncios do governo federal em 24 de julho, Lula escolheu vocalizar com nitidez a questão mineral como questão de soberania. E fez isso mirando diretamente em Donald Trump: “Presidente Trump, esse país só tem jeito se for respeitado. E esse respeito passa pelo reconhecimento do nosso povo e da nossa soberania. Essa soberania é feita por esse povo brasileiro que trabalha, que produz. Nós temos 8 milhões e meio de quilômetros quadrados para proteger. Temos 8500 quilômetros de fronteira marítima para proteger. Temos 16.700 quilômetros de fronteiras terrestres para proteger. Temos a maior floresta do mundo para proteger. Temos 12% da água doce do planeta para proteger. Temos 215 milhões de pessoas para proteger. Temos todo o nosso petróleo para proteger. Temos nosso óleo para proteger. Temos todos os nossos minerais ricos que vocês querem para proteger. E aqui, ninguém põe a mão que não seja o povo brasileiro.”

      A fala não é apenas um recado diplomático, mas uma cartografia da soberania em disputa. Ao nomear cada fronteira, cada riqueza e cada responsabilidade, o presidente Lula desenha o mapa da autonomia nacional diante de um mundo que volta a tratar recursos naturais como ativos de guerra. A mineração estratégica deixa de ser pauta técnica para se tornar uma linguagem de defesa do território. E deixa claro que, nesta etapa da história, nem o chão nem o subsolo brasileiro estão à venda.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

      ❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].

      ✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

      Rumo ao tri: Brasil 247 concorre ao Prêmio iBest 2025 e jornalistas da equipe também disputam categorias

      Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

      Cortes 247

      Relacionados

      Carregando anúncios...
      Carregando anúncios...