A Guerra da Ucrânia e a Reunião de Washington: um conflito sem desfecho claro
Para o Brasil e o BRICS+, a conjuntura abre espaço para uma reflexão mais ampla
A guerra na Ucrânia, prestes a completar quatro anos, permanece como a mais grave crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. O que começou em fevereiro de 2022 como uma invasão russa sob o pretexto de impedir a expansão da OTAN transformou-se em um impasse prolongado, que redesenhou não apenas as fronteiras em disputa, mas também a geopolítica global. Ao longo desse período, as contradições se acumularam: de um lado, a Rússia insiste em legitimar sua ocupação territorial com base em “segurança estratégica”; de outro, a Ucrânia luta por sua integridade territorial, apoiada por um Ocidente dividido entre o discurso de defesa da democracia e a fadiga da guerra.
Nos primeiros meses, o governo Biden tentou mobilizar um consenso amplo em torno da defesa incondicional de Kiev, com sanções econômicas sem precedentes contra Moscou e um maciço programa de ajuda militar e financeira. Esse esforço foi fundamental para conter o avanço russo e manter a resistência ucraniana, mas também revelou as limitações de uma guerra travada por procuração: a escalada de sanções repercutiu nos preços globais de energia e alimentos, e a Europa mergulhou numa crise energética que a obrigou a buscar alternativas apressadas de suprimento. A China posicionou-se ao lado de Moscou.
Foi nesse contexto que Donald Trump retornou à Casa Branca, trazendo consigo uma mudança radical de enfoque. Se Biden via a guerra como uma batalha existencial pela ordem liberal internacional, Trump a trata como uma negociação de alto risco, quase como uma transação empresarial. Durante sua campanha, prometeu “pôr fim à guerra em 24 horas” e, desde que reassumiu o poder, alterna entre a pressão sobre aliados europeus e gestos de aproximação com Moscou. Em várias ocasiões, chegou a impor condicionalidades ao apoio militar à Ucrânia, alegando que os europeus deveriam arcar com a maior parte dos custos.
Essa postura produziu uma fratura clara entre Washington e as capitais europeias. Líderes como Emmanuel Macron, Friedrich Merz e Keir Starmer insistem que qualquer acordo de paz deve começar por um cessar-fogo imediato e pela garantia da integridade territorial ucraniana. A Europa, traumatizada pela lembrança de Munique em 1938, teme que qualquer concessão territorial à Rússia seja interpretada como prêmio à agressão. Mas o peso político de Bruxelas tem sido sistematicamente reduzido, à medida que Trump concentra a negociação em contatos diretos com Putin e Zelensky, deixando os europeus como meros espectadores.
Essa tensão ficou evidente na reunião desta segunda-feira, 18 de agosto de 2025, em Washington. Diante de Zelensky e de líderes europeus, Trump afirmou que a Rússia estaria disposta a aceitar garantias de segurança ocidentais para a Ucrânia — um avanço, segundo ele, rumo a um acordo duradouro. No entanto, descartou a necessidade de um cessar-fogo imediato, que há meses vinha sendo o principal pedido europeu, e insinuou que trocas de território poderiam fazer parte do pacote final, ideia recebida com apreensão tanto em Kiev quanto nas capitais da União Europeia.
Essa inflexão mostra o tipo de negociação que Trump pretende conduzir. Ao retirar o cessar-fogo da lista de prioridades, ele permite que a Rússia continue suas operações militares enquanto se discute um acordo político. E ao abrir espaço para rearranjos territoriais, legitima parte das conquistas russas em campo de batalha, reduzindo a margem de manobra de Zelensky. Para Moscou, a sinalização é de que a paciência pode ser recompensada; para a Ucrânia, é o risco de ver seu território transformado em moeda de troca.
Ao mesmo tempo, a reunião em Washington evidencia a marginalização europeia. Enquanto Trump se posiciona como o grande mediador capaz de entregar a paz, os líderes da União Europeia veem-se forçados a acompanhar decisões que pouco controlam. Essa perda de centralidade enfraquece o bloco justamente quando mais precisava reafirmar sua autonomia estratégica. A guerra, que deveria ter fortalecido a coesão europeia, termina por expor sua dependência em relação à Casa Branca.
Para o Brasil e o BRICS+, essa conjuntura abre espaço para uma reflexão mais ampla. A insistência dos países em desenvolvimento em soluções multilaterais, que não recompensem a agressão nem excluam a Rússia do sistema internacional, contrasta com a lógica de Trump de acordos rápidos e assimétricos. Às vésperas da COP30 em Belém, o conflito na Ucrânia revela como segurança e clima se entrelaçam: sem cooperação entre as grandes potências, nem a paz na Europa nem a transição energética global estarão garantidas.
O desfecho da reunião de Washington, portanto, não traz alívio. Pelo contrário, confirma que a guerra da Ucrânia entrou em uma fase ainda mais ambígua. Trump promete resultados, mas seu pragmatismo pode significar a legitimação de conquistas territoriais obtidas pela força. Os europeus clamam por cessar-fogo, mas são cada vez mais irrelevantes no processo decisório. E a Rússia, que iniciou essa guerra como aposta arriscada, parece agora colher dividendos estratégicos de uma negociação conduzida nos termos de seu principal adversário.
A história ainda não terminou. Mas a reunião desta semana mostra que o caminho escolhido pode prolongar a instabilidade, transformar a paz em mera barganha e relegar os princípios de soberania e autodeterminação a notas de rodapé. Para o mundo, o desafio será não apenas encerrar a guerra, mas impedir que sua solução abra precedentes perigosos para o futuro da ordem internacional.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.