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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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O Alasca e o Fracasso de um “Acordo Rápido”

O Alasca serviu de palco para um encontro que pode ser lembrado não pela paz que prometeu, mas pelo prolongamento da guerra que não conseguiu deter

Trump e Putin se cumprimentam em Anchorage, Alasca - 15/08/2025 (Foto: Sputnik/Gavriil Grigorov/Pool via REUTERS)

A reunião entre Donald Trump e Vladimir Putin em Anchorage, no Alasca, prometia ser histórica. E de certo modo foi. Pela primeira vez desde 2022, o presidente russo pisou em solo ocidental, rompendo parte do isolamento que lhe foi imposto após a invasão da Ucrânia. Mas, ao contrário do que Trump vendeu em sua retórica de “grande negociador”, o encontro terminou sem acordo de paz, sem cessar-fogo e com uma vitória simbólica para Putin. A imagem dos dois líderes lado a lado em território americano foi mais eloquente do que qualquer comunicado oficial: Moscou não está mais tão encurralada quanto parecia.

O fracasso em Anchorage revela muito sobre a lógica da guerra e a política internacional atual. Putin chegou com exigências explícitas: o controle pleno de Donetsk e Luhansk em troca de congelar a linha de frente. Trump, que durante meses insistiu em um cessar-fogo imediato, mudou o discurso e agora fala em “paz duradoura”, aceitando na prática a estratégia russa de negociar enquanto avança. Esse recuo não é detalhe semântico. Significa que Washington deixou de condicionar o diálogo a uma interrupção da ofensiva militar russa, oferecendo a Putin mais tempo para consolidar ganhos no campo de batalha.

Não surpreende, portanto, que o Kremlin tenha celebrado. Dmitri Medvedev, ex-presidente (2008-2012) e atual Vice-Presidente do Conselho de Segurança da Rússia, afirmou que “as negociações são possíveis sem condições prévias”, reforçando a narrativa de que Moscou pode falar de igual para igual com os Estados Unidos,  sem precisar prestar contas à Europa. Para Putin, que transformou o tempo em ativo estratégico, cada semana sem cessar-fogo significa novos quilômetros quadrados sob controle russo antes da chegada do inverno.

A reação europeia expôs fissuras na aliança ocidental. Macron e Ursula von der Leyen, em declaração conjunta, apoiaram os esforços de paz, mas exigiram garantias inabaláveis à Ucrânia. Londres foi mais dura: qualquer cessar-fogo sem salvaguardas de segurança seria apenas uma oportunidade para Putin se rearmar. Ou seja, Trump pode até posar de mediador pragmático, mas na prática arrisca minar a coesão da OTAN, forçando Kiev a aceitar negociações territoriais que já foram rejeitadas repetidas vezes.

Para Zelensky, a situação é quase kafkiana. O presidente ucraniano mantém a retórica da resistência total, mas sabe que dependerá ainda mais dos Estados Unidos para não ser empurrado a um acordo humilhante.

 Parlamentares em Kiev reagiram com indignação, acusando Trump de entregar “tempo e legitimidade” a Putin. A reunião marcada em Washington, no dia 18/08, pode se tornar um teste de lealdade: até que ponto a Casa Branca ainda sustenta a integridade territorial da Ucrânia?

No fundo, Anchorage escancarou duas verdades incômodas. Primeiro: Trump não é o “artífice de acordos” que se vendeu durante décadas. Saiu do Alasca sem paz, sem cessar-fogo e sem compromissos verificáveis — apenas com a promessa vaga de uma futura cúpula trilateral em Moscou, que dificilmente prosperará. Segundo: Putin mostrou ao mundo que o isolamento imposto pelo Ocidente não é definitivo. Com um simples aperto de mãos em território americano, recuperou legitimidade, projetou imagem de estadista e ganhou tempo no front.

O Alasca, terra de frio cortante e paisagens grandiosas, serviu de palco para um encontro que pode ser lembrado não pela paz que prometeu, mas pelo prolongamento da guerra que não conseguiu deter. Trump quis escrever o capítulo do “pacificador”. O que conseguiu foi rascunhar o prefácio de um conflito ainda mais longo, no qual a Ucrânia corre o risco de ser deixada de lado enquanto as grandes potências ajustam seus campos de forças.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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