Maria Luiza Falcão Silva avatar

Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

97 artigos

HOME > blog

Lula sob os olhos do mundo: liderança contestada, liderança reconhecida

Entre elogios e críticas, Lula oscila entre pacifismo idealista e retórica de soberania, mantendo o Brasil no centro das disputas globais

Luiz Inácio Lula da Silva - 07/08/2025 (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

A liderança internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao centro do debate global nos últimos meses, à medida que ele se confronta com Donald Trump e sua ofensiva tarifária. O Brasil se tornou um dos principais alvos da guerra comercial e diplomática de Washington, mas a reação de Lula desperta avaliações divergentes — ora elogiosas, ora céticas — em alguns dos principais veículos e fóruns de opinião estrangeiros.

O Nobel de Economia Joseph Stiglitz, em artigo publicado no Project Syndicate (julho de 2025), foi categórico ao enquadrar Lula como um chefe de Estado que não aceita tutelas externas. “Nenhum estrangeiro vai dar ordens a este presidente” (no foreigner is going to give orders to this president), escreveu Stiglitz, acrescentando que o Brasil, sob Lula, “reafirma o valor do Estado de Direito quando o mundo se mostra cada vez menos disposto a aceitar imposições vindas de fora”. A leitura de Stiglitz é clara: diante da intimidação tarifária de Trump, Lula se projeta como defensor de uma ordem internacional mais equilibrada.

Dani Rodrik, outro nome central no pensamento econômico global, reforça essa percepção em sua coluna Where Is the Global Resistance to Trump?, também no Project Syndicate (agosto de 2025). Para ele, Lula é “o raro exemplo de liderança global que se recusa a se ajoelhar diante de Trump” (the rare exemplary leader who refuses to grovel at Trump’s). A frase, mais que um elogio, aponta para a escassez de dirigentes capazes de resistir às pressões do protecionismo estadunidense sem ceder em princípios.

Mas, se Stiglitz e Rodrik enaltecem a firmeza de Lula, outros observadores se mostram menos convencidos. A revista The Economist (29 de junho de 2025) descreveu o presidente brasileiro como alguém em perda de relevância: “Lula está perdendo influência no exterior e popularidade em casa” (Brazil’s president is losing clout abroad and unpopular at home). Para a publicação, sua retórica de soberania não encontra respaldo suficiente no cenário internacional, marcado por disputas comerciais que fragilizam economias emergentes.

O contraste com o retrato publicado no New Yorker em maio de 2025 é evidente. A revista americana destacou em Lula um pacifismo pouco comum entre líderes mundiais. Ao recusar vender armas para zonas de conflito e defender soluções negociadas para a guerra na Ucrânia, Lula aparece como “um pacifista idealista” que insiste em diálogo, mesmo quando contraria expectativas de aliados ocidentais.

A imprensa anglo-saxônica também acompanha com atenção as manobras de Lula frente a Trump. O Financial Times noticiou em julho que o presidente brasileiro “aproveitou a ameaça tarifária de Trump para revitalizar seu discurso de soberania nacional e reforçar sua tentativa de reeleição” (Lula seizes Trump tariff threat to revive re-election push). O Washington Post, por sua vez, sublinhou que “ao contrário de muitos líderes, Lula está pronto para o embate” (In Brazil, Trump faces a country — and a leader — ready for a fight).

No plano econômico, a Associated Press destacou o lançamento do programa “Soberania Brasil”, com US$ 5,5 bilhões em créditos para exportadores afetados pelas tarifas, uma resposta que busca mitigar danos sem desencadear uma escalada imediata. Já a Reuters noticiou a intensificação do diálogo de Lula com Xi Jinping, com o objetivo de consolidar o BRICS como frente coletiva contra pressões externas.

Não se trata, portanto, de consenso. As avaliações estrangeiras oscilam entre a admiração por sua coragem em enfrentar Washington, a crítica à perda de relevância internacional e a constatação de uma postura idealista que privilegia a paz sobre a geopolítica de armas.

O próprio Lula, em artigo publicado no The Guardian (10 de julho de 2025), oferece sua versão. “O mundo enfrenta crises simultâneas e alguns defendem o fim da globalização. Eu digo que isso seria um erro” (with the world in crisis, many say end globalisation. I say that would be a mistake). O presidente defende mais cooperação multilateral e reformas institucionais que deem voz efetiva ao Sul Global.

Em resumo, a figura de Lula divide opiniões, mas não passa despercebida. Para uns, é um líder que resiste de forma exemplar às pressões de Trump; para outros, é um governante em declínio de influência. Entre o pacifismo e a retórica de soberania, o certo é que o Brasil, sob Lula, voltou ao radar internacional, e este talvez seja, por si só, um dado de liderança.

Articulação do BRICS

Mas a questão central vai além das avaliações da imprensa estrangeira: será que o Brasil, com todas as condições de que desfruta, conseguirá articular o BRICS como força de contraponto à ofensiva de Trump? O país reúne, ao menos no papel, atributos que poucos podem igualar: abundância de água doce, vastas terras agricultáveis, matriz energética relativamente limpa e a maior floresta tropical do planeta. Esses recursos não são apenas vantagens comparativas no comércio internacional. São cartas de poder num mundo em que a crise climática redefine os termos da geopolítica.

A pressão tarifária de Trump não mira apenas balanças comerciais; ela busca também enfraquecer alternativas ao sistema dolarizado e às cadeias de valor dominadas pelo Ocidente. Nesse sentido, o BRICS emerge como espaço estratégico. Se a China já demonstrou capacidade industrial e a Índia revela vigor demográfico, cabe ao Brasil — justamente pela Amazônia e pela produção agroenergética — oferecer ao bloco uma legitimidade ecológica que nenhum outro país pode reivindicar.

A dúvida, contudo, é se Lula será capaz de converter essas condições objetivas em liderança efetiva. O risco é que o discurso de soberania se esgote no confronto retórico com Trump sem produzir mecanismos concretos de cooperação regional e multilateral. A experiência brasileira mostra que a abundância de recursos naturais não se traduz automaticamente em poder político. É preciso planejamento, articulação diplomática consistente e capacidade de mobilizar consensos em torno de uma agenda climática que una justiça social e transição produtiva.

Se o Brasil assumir esse papel no BRICS, poderá transformar a guerra tarifária em oportunidade de afirmação. Não seria a primeira vez que crises externas forçaram ajustes internos e abriram novos horizontes. Mas, se perder a chance, correrá o risco de repetir um padrão histórico: ser fornecedor de matérias-primas em um mundo que volta a se segmentar, sem lograr traduzir sua riqueza em influência duradoura.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a imagem de Lula no exterior, mas a própria capacidade do Brasil de se colocar como ator decisivo num cenário em que economia, clima e geopolítica se entrelaçam como nunca.

América Latina

Contudo, se a disputa com Trump e o fortalecimento do BRICS colocam Lula no centro do debate geopolítico, há outra frente inevitável: a América Latina. A região continua sendo o espaço natural da diplomacia brasileira, e qualquer pretensão de protagonismo global passa, antes de tudo, pela capacidade de articular seus vizinhos.

O cenário, no entanto, é fragmentado. O Mercosul vive tensões recorrentes. Basta lembrar o impasse entre Argentina e Uruguai quanto a acordos comerciais bilaterais ou as dificuldades em alinhar posições comuns frente aos EUA e à União Europeia. Nesse quadro, Lula precisa mais do que retórica. Precisa oferecer projetos concretos de integração produtiva e energética, capazes de gerar ganhos palpáveis para países que muitas vezes desconfiam do peso brasileiro.

A ofensiva de Trump oferece, paradoxalmente, uma oportunidade. Tarifas unilaterais contra o Brasil não atingem apenas exportadores brasileiros, mas desestabilizam cadeias regionais inteiras. A soja, o milho, a carne e o aço que saem do Brasil carregam insumos e logística que cruzam fronteiras latino-americanas. Isso significa que a resposta à guerra tarifária poderia ser construída regionalmente, fortalecendo o Mercosul e abrindo espaço para que o bloco dialogue em pé de igualdade com o BRICS ampliado.

Há também a questão climática, que conecta a Amazônia às florestas andinas, ao Cerrado e ao Gran Chaco. Um pacto latino-americano pela preservação e pela transição energética daria densidade à liderança brasileira, projetando a região como referência no debate climático mundial. Nesse campo, Lula tem capital simbólico acumulado, mas enfrenta a resistência de governos mais alinhados a Washington e de setores econômicos que veem a agenda ambiental como ameaça e não como oportunidade.

A pergunta que se impõe é se o Brasil terá a habilidade de transformar a liderança de Lula em plataforma regional, capaz de unir vozes dispersas e convertê-las em força política. Sem a América Latina, o protagonismo global do Brasil corre o risco de se tornar retórico. Com ela, pode-se vislumbrar um polo alternativo de poder que responda tanto às tarifas de Trump quanto à emergência climática que ameaça a todos igualmente.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Carregando anúncios...