O Tamanho, o Poder e a "Bananinha"
A história mostra que o ideal de poder não é universal
A obsessão moderna com o tamanho do pênis - que aparece em piadas na internet, na ansiedade pessoal e, até, em sátiras políticas, como a alusão à "bananinha" (usada para ironizar uma medida de poder insignificante) - não é um fenômeno novo. Historicamente, o pênis se torna relevante para a humanidade não por sua biologia, mas por ser um símbolo cultural de status, virtude e poder que muda radicalmente conforme a época.
Em 2022 a briga entre a jornalista Patrícia Lélis e o deputado federal Eduardo Bolsonaro expôs como essa métrica corporal se infiltra na disputa de poder. Ao ser processada por chamá-lo de "pa* pequeno" e usar a expressão "república das bananinhas bolsonaristas", Lélis levou o debate sobre o tamanho para a esfera policial e judicial.
O caso é o sintoma mais claro de uma cultura que usa a genitália como métrica de autoridade. O ataque é direto: se o pênis é "pequeno" ou a nação é uma "bananinha", o poder - político, moral ou sexual - é insignificante e desqualificado.
Mas a história mostra que esse ideal de poder não é universal.
As preocupações com o significado dos genitais masculinos remontam ao menos a quatro mil anos, mas o ideal cultural era, muitas vezes, o oposto do que se prega hoje.
Na Grécia Clássica, por exemplo, o pênis pequeno e modesto nas estátuas de nus públicos era o padrão. Por quê? Porque ele representava moderação, autocontrole e civilidade (sophrosyne) - as maiores virtudes cívicas de um homem livre. Um pênis grande era associado à luxúria, à bestialidade e à falta de domínio próprio; o homem "grande" era, para eles, o bárbaro, dominado pelos instintos.
Em contraste, no Antigo Egito, representações grandes e eretas do deus da fertilidade, Min, simbolizavam o poder generativo e divino. É importante entender que o tamanho sempre foi simbólico, mas o símbolo desse poder que mudou. Na Grécia, o poder estava na moderação; hoje, na ostentação.
A partir da Renascença (o período de grande efervescência cultural e artística na Europa), o valor do tamanho mudou completamente: a ostentação virou regra.
Nos séculos 15∘ e 16∘, uma peça na roupa chamada braguilha (ou codpiece) se popularizou na Europa. Essa peça era acolchoada e usada para amplificar a genitália nas vestes masculinas. Não era só moda; era um dispositivo de vestuário que ligava o volume visível diretamente à virilidade e ao poder. O poder era literalmente "colocado em exposição" na rua. Essa tendência se consolidou. Estudos de pinturas mostram que as proporções do pênis retratadas na arte começaram a aumentar sistematicamente, especialmente a partir do século 20∘. Isso reflete uma nova obsessão social: o pênis grande como único ideal normativo.
A Bananinha!
O pênis grande se tornou o padrão na era moderna, consolidado pela Mídia (que cria expectativas irreais com a pornografia) e pela Medicina (que transforma a ansiedade em um "problema de saúde" que precisa de correção). O tamanho virou a métrica de desempenho e performance.
É aqui que a sátira da "bananinha" na política ganha força. Ela é o oposto do poder ostentado pela antiga braguilha. A crítica usa a minimização jocosa do pênis (e seu sinônimo de pouco poder) para desqualificar a autoridade de um político. Em 2020 o então vereador Thammy Miranda se foi alvo de ataques por sua participação em uma propaganda de Dia dos Pais: ele não tinha o que os pais têm!
"O debate não é sobre anatomia, mas sobre o acesso ao poder que a masculinidade normatizada promete". O caso entre Patrícia Lélis e Eduardo Bolsonaro apenas confirma que o tamanho - simbólico ou literal - continua sendo a principal métrica cultural do status.
"A ascensão do pênis grande como ideal normativo não foi um ato de inclusão, mas sim a criação de uma cilada cultural que lucra com a exclusão e a fantasia", adverte o psicanalista Júlio Nicodemos. Para o homem branco hegemônico, o pênis é um símbolo de poder e posse a ser exibido. Já para outros grupos, ele se torna uma arma de dominação e objetificação. O patriarcado utiliza o pênis como um instrumento para criar inimigos ou parceiros de crime na sua manutenção de poder:
Homem Preto/Negro: O corpo preto é historicamente hipersexualizado. O pênis, nesse contexto, vira o significante da ameaça sexual, alimentando o estereótipo do homem negro como violador.
Travestis e Mulheres Trans: O corpo trans é o fator máximo da objetificação. O pênis passa a ser visto como um instrumento de "caça" ou sedução, reforçando o mito de que a travesti é aquela que "come os homens".
Em todos os casos, a lógica do sistema é clara: o pênis é usado para legitimar a hierarquia. Ele serve como uma régua que mede o status do homem branco e, simultaneamente, cria o estranho perigoso, a mulher cis e a mulher trans desumanizada, garantindo que o poder real permaneça nas mãos de quem define as regras do jogo. Se o pênis fosse, de fato, a "delícia de todos os tempos" ou o centro irrefutável do prazer, as lésbicas, sapatões e homens trans não fariam tanto sucesso ao longo da história sem ele!
O sucesso e a longa trajetória das comunidades lésbicas e de outras identidades que priorizam o prazer e a atração fora da lógica fálica (e, muitas vezes, fora da lógica heterossexual) são a prova final de que a verdadeira fonte de atração e afeto está na complexidade humana, na conexão e no desejo, e não em um único órgão masculino. A vida e o prazer continuam, gloriosamente, sem ele.
A ironia final é que, ao dar valor exagerado ao pênis - seja para atacá-lo ("bananinha") ou desejá-lo , mulheres (cis e trans) reforçam a peça central do patriarcado: o Falo (símbolo de poder). Essa obsessão valida a ideia de castração simbólica (a falta desse poder), que historicamente coloca todas as identidades não-masculinas em posição de menoridade. A verdadeira rebeldia, como mostram lésbicas e homens trans ao longo da história, está em declarar a irrelevância do pênis como régua de poder e prazer.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.