O redesenho da correlação global de forças na luta anti-imperialista
Defesa da paz e cooperação internacional ganham força diante da crise do unilateralismo
Por José Reinaldo Carvalho - A iniciativa de governança global lançada pelo presidente da China, Xi Jinping, no início de setembro, recoloca no centro do debate internacional a urgência de fortalecer o multilateralismo. Segundo a proposta apresentada por Pequim, é necessário construir instituições mais inclusivas e abrangentes, capazes de garantir a paz e promover o desenvolvimento comum, em contraposição à lógica do unilateralismo que marcou décadas de hegemonia dos países imperialistas ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos.
O tema também foi destaque em encontro virtual do Brics, em 8 de setembro, convocado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a reunião, o líder brasileiro afirmou que “o BRICS é o novo nome da defesa do multilateralismo”, defendendo uma governança global mais justa, com mecanismos que assegurem equilíbrio econômico, segurança coletiva e preservação ambiental. Os participantes chegaram a um entendimento comum sobre a importância de avançar na construção de uma ordem internacional mais justa, equilibrada e inclusiva, que reflita as mudanças em curso no cenário global e ofereça respostas mais eficazes às demandas apresentadas pelo Sul Global.
O encontro também serviu como espaço para debater os desafios impostos pelo aumento de medidas unilaterais, especialmente sanções, bloqueios, outras ações coercitivas e o tarifaço que atinge o comércio internacional, além de discutir estratégias para fortalecer a solidariedade e ampliar a coordenação.
A crise do unilateralismo
O colapso da hegemonia estadunidense e do unilateralismo tornou-se cada vez mais evidente. O fortalecimento de alianças no Sul Global e a articulação de novas parcerias estratégicas demonstram que são cada vez mais numerosas as forças no mundo que rejeitam a imposição de uma potência. As guerras e intervenções militares promovidas por Washington, sob o pretexto da “defesa da democracia”, produziram instabilidade, destruição e relações desiguais que ainda se refletem em várias regiões.
Na América Latina, por exemplo, a Venezuela vem reforçando suas relações com a Rússia, em meio a tensões militares provocadas pelos Estados Unidos. Em recente pronunciamento, a vice-presidenta venezuelana, Delcy Rodríguez, agradeceu o apoio de Moscou diante das ameaças de Washington e reiterou: “defendemos a autodeterminação dos povos”. O gesto simboliza a recusa dos países latino-americanos a se submeterem às pressões de um imperialismo que tenta manter controle sobre a região.
Situação semelhante ocorre no Oriente Médio. O presidente do Irã declarou que a aliança com a Rússia “marca o fim do unilateralismo”, inaugurando uma nova etapa de equilíbrio no cenário global. Essa aproximação entre Teerã e Moscou expressa não apenas um alinhamento estratégico, mas também um movimento político de enfrentamento ao isolamento imposto por sanções ocidentais. A cooperação, nesses casos, assume caráter de resistência e de afirmação da soberania nacional.
O Sul Global e de seus mecanismos de cooperação
Lula tem assumido papel central nessa mudança de paradigma. Ao reunir os países do Brics em torno da defesa do multilateralismo, o Brasil reafirma a importância de instituições que representem de fato a diversidade do mundo contemporâneo. Em sua fala, o presidente destacou não apenas a necessidade de uma economia mais justa, mas também a urgência de enfrentar a crise climática, uma pauta negligenciada pelos centros de poder tradicionais.
A expansão do Brics, com o ingresso de novas nações, é prova da vitalidade desse projeto. Países da Ásia, da África e da América Latina demonstram interesse em se integrar a uma plataforma que defende a multipolaridade e se opõe às imposições do Fundo Monetário Internacional e de outros organismos dominados pelo eixo EUA-Europa. Trata-se de um esforço para construir alternativas que promovam desenvolvimento soberano e cooperação solidária.
Nesse mesmo sentido, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) vem consolidando seu papel na defesa do multilateralismo e na promoção de um mundo multipolar, especialmente diante das transformações geopolíticas atuais. Esse protagonismo ficou evidente na cúpula realizada em Tianjin, na China, em 31 de agosto e 1º de setembro, quando líderes regionais reforçaram a necessidade de fortalecer a cooperação mútua e ampliar a coordenação política e econômica em face dos desafios globais. Foi nesse contexto que o presidente Xi Jinping lançou a Iniciativa de Governança Global,reafirmando o compromisso da OCX com uma ordem internacional mais equilibrada, capaz de refletir a diversidade de interesses e a ascensão do Sul Global no cenário mundial.
Essa postura reforça a ideia de que o multilateralismo não se resume a acordos econômicos, mas deve contemplar também questões sociais, políticas, ambientais e de segurança, sempre sob a ótica da soberania e da igualdade entre as nações. Ao propor soluções conjuntas para crises globais, o Brics e a OCX se apresentam como espaços de diálogo que contrastam com fóruns onde prevalecem o veto e a chantagem política.
O cenário atual evidencia um ciclo de guerras híbridas, bloqueios, atos de ingerência política e intervenções militares. As ações das potências imperialistas ocidentais fragilizam os organismos multilaterais e violam o direito internacional. É preciso resgatar o multilateralismo como o método de política externa que corresponde à multipolaridade, impulsionar novas coalizões e articulações. Mecanismos como o BRICS , a OCX e a Celac representam o esforço de países emergentes para criar instâncias alternativas, são embriões da nova institucionalidade.
Multipolaridade como caminho para a paz
O avanço de blocos alternativos à hegemonia dos países imperialistas ocidentais expressa uma tendência irreversível: a multipolaridade. A convivência de diferentes polos de poder, com culturas e modelos políticos diversos, pode se tornar a base para uma nova arquitetura internacional mais equilibrada. É nesse contexto que iniciativas como a de Xi Jinping ganham relevância, ao sugerirem mecanismos de governança capazes de frear disputas assimétricas e dar voz a países historicamente marginalizados.
A prática do multilateralismo, portanto, surge como instrumento essencial para mediar conflitos, promover desenvolvimento sustentável e evitar que a lógica imperialista continue alimentando guerras e desigualdades. O unilateralismo mostrou seus limites: fomentou crises financeiras globais, aprofundou conflitos regionais e contribuiu para o agravamento das mudanças climáticas. Já o multilateralismo aponta para a cooperação como forma de garantir a sobrevivência coletiva em um planeta ameaçado.
Destarte, no atual cenário, a defesa da multipolaridade não é apenas uma opção política, mas uma necessidade histórica para garantir a paz e a soberania dos povos. A luta contra o imperialismo, expressa nas alianças entre Venezuela, Irã, Rússia, China, Brasil e outros países do Sul Global, representa o caminho para uma nova era de equilíbrio e de cooperação internacional.
O mundo que emerge do início do século 21 não comporta mais hegemonias unilaterais. A multipolaridade é a resposta concreta de nações que se recusam a ser coadjuvantes ou submissas e reivindicam papel ativo na construção do futuro. E o multilateralismo, nesse contexto, se apresenta como a ferramenta indispensável para que esse futuro seja de cooperação, soberania e paz duradoura.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.