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Gustavo Tapioca

Jornalista formado pela Universidade Federal da Bahia e MA pela Universidade de Wisconsin-Madison. Ex-diretor de redação do Jornal da Bahia, foi assessor de Comunicação Social da Telebrás, consultor em Comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do (IICA/OEA). Autor de "Meninos do Rio Vermelho", publicado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

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O general da Guerra quer o prêmio da Paz

Trump sonha com o Nobel mas age como quem concorre ao troféu da destruição

O presidente dos EUA, Donald Trump, e seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, na Casa Branca - 05/09/2025 (Foto: REUTERS/Brian Snyder)

O New Yorker de 5 de outubro expõe, com ironia e precisão cirúrgica, o paradoxo de um homem que deseja o Prêmio Nobel da Paz enquanto renomeia o Departamento de Defesa como “Departamento de Guerra”; apoiou o genocídio em Gaza; e transformou a violência em espetáculo, a política em quartel e a paz em piada de mau gosto. 

A paz dos tanques, mísseis e reality show

“Para alguém que faz campanha abertamente para receber um Prêmio Nobel da Paz, Trump tem feito isso de uma forma incomum.” Assim começa o artigo de Benjamin Wallace-Wells no The New Yorker. A observação é de uma ironia fulminante. Enquanto outros líderes buscam o Nobel com tratados de desarmamento, Trump tenta conquistá-lo com bombas, ameaças, perseguições, prisões ilegais, repressão a manifestantes e slogans que enaltecem a guerra.

No início de setembro, o ex-presidente anunciou que o Departamento de Defesa passaria a se chamar Departamento de Guerra, e nomeou como símbolo dessa guinada o apresentador e veterano Pete Hegseth — um cruzamento entre general de televisão e animador de auditório. “As forças armadas entregarão letalidade máxima”, prometeu ele. Trump sorriu satisfeito, como quem revela o nome de seu novo programa dominical: The War Show.

A paz da militarização do cotidiano

O artigo descreve o cenário surreal de uma Casa Branca que fala em paz enquanto se prepara para o combate. Trump, agora cercado por ex-militares transformados em influenciadores digitais, repete que as cidades americanas são “zonas de guerra”.

Chicago virou o símbolo do inimigo interno. Em um de seus posts, ele anunciou: “Chicago está prestes a descobrir por que isso se chama Departamento de Guerra”. É o vocabulário da purificação nacional, reciclado do fascismo europeu: transformar o caos urbano em justificativa para o uso de força letal.

O inimigo, para Trump, não está no Oriente Médio. Está dentro de casa: imigrantes, jornalistas, governadores democratas, adversários -- políticos ou não. A guerra interna, como define a New Yorker, é o motor de seu governo e o combustível de suas ações.

Pete Hegseth: o general de reality show

Trump não poderia ter encontrado um personagem mais adequado para encenar seu teatro militar. Pete Hegseth, ex-capitão e âncora da Fox News, encarna a fusão perfeita entre mídia, militarismo e populismo autoritário. É o general de reality show que promete “letalidade total” enquanto sorri para as câmeras.

A New Yorker observa que o novo “Secretário da Guerra” não fala em diplomacia nem em reconstrução — fala em “fazer o inimigo sangrar”. E o presidente, encantado, transforma essa retórica em espetáculo. Cidades viram “palcos de operações militares”, helicópteros sobrevoam metrópoles americanas, imigrantes são caçados, presos sem mandado judicial, a fronteira mexicana é tratada como “linha inimiga”. O resultado é uma distopia televisiva em tempo real, em que a guerra é apresentada como espetáculo patriótico — e a paz, como fraqueza liberal.

A guerra interna violenta como método de governo

Ao rebatizar o Departamento de Defesa, Trump fez mais do que uma jogada simbólica. Consolidou a ideia de que governar é guerrear. Sua política externa é ameaça; sua política interna, confronto. Ele se vangloria de ter promovido “paz” no Oriente Médio, mas apoiou abertamente o genocídio do povo palestino. Uma paz construída sobre escombros.

A New Yorker ironiza esse paradoxo. O homem que denuncia as guerras “fracassadas” do Iraque e do Afeganistão agora trata cidades americanas como zonas de guerra, substituindo tanques por drones e políticas públicas por operações policiais. É o autoritarismo travestido de patriotismo, em que o discurso da lei e da ordem serve para legitimar a brutalidade e o ódio. 

Trump e o genocídio em Gaza

Enquanto militariza a política interna, Trump apoia sem reservas o massacre em Gaza. “Israel tem o direito de acabar com eles, de eliminá-los totalmente”, declarou em comício no Texas. A frase, ignorada por parte da mídia, foi interpretada como apologia ao genocídio. Mais de dois anos de bombardeios e fome transformaram Gaza em ruína. E Trump, que só agora pede trégua, incitou o extermínio, chamando palestinos de “animais selvagens”. Apenas agora, talvez pensando na "possibilidade" de ganhar o Prêmio Nobel da Paz, tenta ser arauto do acordo de paz.

O prêmio que Alfred Nobel nunca imaginou

A candidatura de Trump ao Prêmio Nobel da Paz é uma dessas piadas que fariam o próprio Alfred Nobel explodir de perplexidade. O prêmio que nasceu para celebrar o desarmamento e a reconciliação virou, nas mãos de Trump, um troféu de autopromoção, a paz como espetáculo, a guerra como marca registrada.

Trump não quer o Nobel da Paz. Quer o selo da paz — um carimbo de respeitabilidade que o absolva de sua guerra contra tudo e contra todos: contra a mídia, contra imigrantes, contra o Estado de direito e contra a própria ideia de democracia.

A ironia final: o general da guerra pede a bênção da paz

O “general da guerra” quer a bênção da paz. Quer desfilar em Oslo como se fosse Mandela, enquanto comanda um país dividido, armado e inflamado por ódio. Quer apagar o som das sirenes com o aplauso das plateias.

Mas o Nobel não é um troféu para quem faz da violência um método. É, ou deveria ser, um símbolo da superação dela. E se o comitê sueco se deixar seduzir pelo espetáculo de Trump, o mundo veria o Prêmio da Paz se transformar, definitivamente, em um prêmio de guerra.

Em Defesa do Legado de Alfred Nobel 

A eventual concessão do Prêmio Nobel da Paz ao presidente Donald Trump representaria uma afronta direta ao espírito e à intenção de Alfred Nobel. Criado para homenagear aqueles que mais contribuíram para a fraternidade entre os povos, a redução dos armamentos e a promoção da paz, o prêmio jamais deveria ser associado a figuras que se destacam por discursos belicistas, políticas de confronto e incentivo à divisão global.

Donald Trump, ao longo de sua trajetória política, tem sido amplamente reconhecido por fomentar tensões internacionais, desmantelar acordos multilaterais e glorificar o poderio militar como instrumento de influência. Premiar tal postura seria não apenas incoerente, mas uma traição ao testamento moral de Nobel, que desejava que seu legado servisse à causa da paz — e não à exaltação da guerra.

O mundo observa. E espera que o Comitê Nobel mantenha sua integridade histórica, honrando aqueles que verdadeiramente lutam pela paz, e não os que a ameaçam.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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