Temer, Bolsonaro e a tragédia do metanol
Desmonte do Estado e privatizações abriram caminho para circulação de metanol adulterado, transformando lucro em mortes e cegueira
Da refinaria ao copo, o metanol percorre um labirinto de crimes e omissões. Mas a origem da tragédia está nas decisões políticas que desmontaram a capacidade do Estado brasileiro de fiscalizar o que o povo bebe, come e respira. O que se bebeu em São Paulo e em outras partes do Brasil, nas últimas semanas, não foi apenas álcool "batizado" com metanol. Foi o resultado de uma cadeia de crimes, coberta por camadas de negligência e desmonte.
O metanol, um produto químico industrial, foi desviado de suas rotas legais e misturado a bebidas vendidas como vodca, cachaça ou gin. Em bares e festas, o líquido transparente parecia inocente. Nos corpos das vítimas, tornou-se um ácido letal. O resultado: mortes, cegueira, sequelas irreversíveis — e um Estado que corre atrás de um crime que ele próprio ajudou a permitir.Da produção industrial ao consumo final, cada elo dessa cadeia é um espelho da falência institucional. Fábricas clandestinas operando sem fiscalização, depósitos ilegais cheios de rótulos falsificados, e um mercado informal abastecido por caminhões que atravessam rodovias sem qualquer controle.
Os crimes e o silêncio
A Polícia Federal investiga o desvio e a adulteração de metanol, a falsificação de selos e garrafas, a venda ilegal de bebidas e o possível elo com o crime organizado, inclusive o PCC. Enquanto a apuração avança, uma pergunta inquietante surge no cenário. Como esse veneno circulou tão livremente? A resposta está em uma série de decisões políticas tomadas entre 2016 e 2022, no projeto de desmonte travestido de modernização.Foram anos em que se confundiu “liberalismo” com licença para destruir o Estado. O governo Temer, nascido do golpe parlamentar de 2016, deu início à liquidação do patrimônio público. Vendeu ativos da Petrobras, iniciou a privatização da BR Distribuidora — responsável justamente pela logística e pela rede de distribuição de combustíveis e insumos químicos —, e extinguiu órgãos de controle que garantiam a rastreabilidade de bebidas e combustíveis.
Quando o Estado fecha os olhos
O crime do metanol é filho direto dessa “reforma” que desmontou a proteção do consumidor e do trabalhador. Em 2016, o governo Temer desligou o Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), criado para rastrear cada garrafa fabricada e vendida no país. O sistema, operado pela Receita Federal, permitia identificar o fabricante, o lote, o destino e o volume produzido — um banco de dados que seria essencial para impedir o envenenamento em massa.Com o Sicobe desligado, as bebidas passaram a circular sem rastreabilidade efetiva, e o controle ficou limitado a declarações voluntárias das próprias empresas. A justificativa oficial foi “redução de custos”. O resultado real foi a anulação da vigilância estatal — a cegueira deliberada que hoje se traduz em cegueira literal de vítimas intoxicadas.Durante o governo Bolsonaro, o desmonte virou doutrina. Enfraquecimento da Anvisa, cortes de fiscais, eliminação de conselhos participativos e incentivo à informalidade sob o discurso da “liberdade econômica”. A fúria privatista transformou a BR Distribuidora — símbolo da soberania energética nacional — em mais uma empresa de capital aberto, sujeita à lógica do lucro acima da vida.
O lucro, o crime e o copo
No seis anos de Temer e Bolsonaro, a morte virou oportunidade de mercado. Sem Estado, multiplicaram-se os intermediários, os falsificadores, os atravessadores de solventes. O metanol — barato e tóxico — tornou-se um atalho para maximizar lucros ilícitos. E, nas periferias, bares e festas populares passaram a receber bebidas que eram verdadeiras bombas químicas disfarçadas em garrafas de luxo.Em São Paulo, a Polícia Federal e a Polícia Civil já prenderam fabricantes clandestinos, apreenderam toneladas de rótulos falsos e investigam se o esquema tinha ligação logística com redes controladas pelo PCC. Não se trata de coincidência. Onde o Estado se retira, o crime organizado ocupa o espaço, oferecendo o que o poder público deixou de oferecer, inclusive a infraestrutura para o contrabando e o mercado ilegal.
O rastro do desmonte
Os governos golpistas venderam o discurso da eficiência. Entregaram caos. Privatizaram a Petrobras, desmontaram a BR Distribuidora, extinguiram sistemas de controle, sucatearam a fiscalização. Agora, a fatura chega na forma de cemitérios e hospitais lotados. Cada vítima do metanol é também uma vítima do neoliberalismo sem freios — do Estado mínimo que se gaba de ser “enxuto”, mas é apenas cego e omisso.Enquanto os laboratórios da morte lucram, as famílias das vítimas procuram justiça, sem respostas e sem culpados visíveis. Mas o verdadeiro culpado é visível: o Estado que abriu mão de proteger sua gente.
Quando o mercado mata, o Estado é cúmplice
O caso do metanol não é acidente. É consequência. Resultado, fruto, derivado de políticas que colocaram a vida sob a lógica do lucro, que destruíram o poder de fiscalização, que entregaram o controle da produção e da distribuição de insumos estratégicos ao mercado e ao crime.
As mortes de hoje são o retrato de uma escolha feita ontem. A escolha de privatizar, de desmontar, de fingir que o Estado é o problema, quando o verdadeiro problema é o Estado ausente — o Estado que, sob Temer e Bolsonaro, abdicou de proteger a população.O veneno nos copos é também a substância tóxica da política de dois ex-presidentes golpistas que tentaram fazer do Brasil um laboratório de impunidade. O antídoto só virá quando o país reconstruir o que foi destruído: a soberania, a fiscalização e o compromisso com a vida.
Os golpitas Jair Messias Bolsonaro está condenado pelo STF a 27 anos de prisão. Michel Miguel Elias Temer está condenado pela história. Ambos não apenas como cúmplices da tragédia do metanol.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.