Nordeste sob ataque: tarifaço castiga estados exportadores e acende alerta sobre soberania econômica
Café, frutas, pescados e calçados lideram a lista de setores atingidos por tarifas de 50%, com prejuízos concentrados em regiões vulneráveis
A ofensiva tarifária deflagrada por Donald Trump contra o Brasil escancarou a vulnerabilidade da economia nordestina diante das oscilações geopolíticas e do protecionismo norte-americano. A sobretaxa de 50% imposta a 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos, em vigor desde 6 de agosto, um dia antes do prazo dado a outros países, teve efeito devastador em cadeias produtivas concentradas no Nordeste, como café, frutas frescas, pescados, mel e calçados.
Com base em um levantamento técnico minucioso, o Consórcio Nordeste se consolidou como principal instância de articulação regional para enfrentar a crise, convocando uma mobilização interestadual com participação ativa dos governadores. A 3ª Assembleia Geral do Consórcio, realizada em Teresina, reuniu medidas emergenciais, propostas diplomáticas e ações estruturais, assumindo o compromisso de liderar a reação a partir do território.
Reação regional coordenada: planejamento, diplomacia e medidas emergenciais
Durante a assembleia, o presidente do Consórcio, Rafael Fonteles (Piauí), destacou que a região não aceitará passivamente os impactos da decisão norte-americana e que as respostas precisam envolver desde pressão diplomática até compras públicas, compensações fiscais e diversificação dos mercados. Os governadores também participaram de reunião com o presidente Lula no Palácio do Planalto e manifestaram apoio à estratégia federal na disputa comercial, mas reivindicaram maior celeridade nas ações específicas para o Nordeste.
Uma das medidas pactuadas foi o envio de propostas conjuntas ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e à Agência Brasileira de Promoção de Exportações (ApexBrasil), com foco em ampliar a lista de produtos isentos e retardar a vigência da tarifa para setores estratégicos da região. Outro ponto de destaque foi o ingresso do Banco Mundial na discussão, com apresentação de projetos de desenvolvimento sustentável integrados, centrados em tecnologia, inovação digital, reindustrialização verde e inclusão produtiva.
Estado por estado: impactos, iniciativas e riscos econômicos
Bahia
A Bahia enfrenta um dos maiores impactos, principalmente nas regiões do Vale do São Francisco, com queda abrupta nas exportações de manga, uva, mamão e melancia. O redirecionamento da produção para a Europa não é viável no curto prazo. Indústrias do setor metalmecânico e têxtil, ligadas ao Polo de Camaçari, também foram atingidas. Durante a assembleia, o governador Jerônimo Rodrigues defendeu o fortalecimento da fruticultura irrigada como estratégia geoeconômica para a Caatinga, articulando essa pauta à COP-30 em Belém.
Pernambuco
Apesar da isenção do coque de petróleo de Suape, o estado viu o setor pesqueiro ser fortemente penalizado, com relatos de perdas logísticas e dificuldade de escoamento da produção. Indústrias do têxtil e confecção do Agreste também relatam queda nas encomendas. O governador Paulo Câmara reforçou o apelo para um fundo federal emergencial e a priorização de Pernambuco na agenda de reindustrialização nacional.
Ceará
O governo de Elmano de Freitas foi o primeiro a adotar um pacote emergencial com quatro medidas: antecipação de créditos de ICMS, fortalecimento do Programa Mais Nutrição para compra direta de frutas afetadas, incentivos fiscais setoriais e apoio à prospecção de novos mercados. A castanha de caju foi isentada da tarifa, mas o melão, a manga e o mamão do Baixo Jaguaribe e Vale do Curu enfrentam uma crise sem precedentes. Nova reunião entre o governo estadual e o vice-presidente Alckmin está marcada para 7 de agosto.
Rio Grande do Norte
A castanha potiguar escapou da sobretaxa, mas o sal, o mel e o pescado foram diretamente atingidos. A governadora Fátima Bezerra propôs o uso de créditos acumulados de ICMS e o fortalecimento do PROEDI como mecanismos compensatórios. Também foi discutida a articulação com pequenos produtores para reposicionar a produção em programas de compras públicas.
Paraíba
O setor de calçados, concentrado em Campina Grande e no Agreste, foi um dos mais afetados pela tarifa cheia de 50%, com impacto direto na renda das trabalhadoras da indústria. A cadeia de confecção local também começou a registrar retração de contratos. O governo estadual pediu apoio da Apex para explorar mercados alternativos na América do Sul e no mundo árabe.
Piauí
Rafael Fonteles, que preside o Consórcio Nordeste, tem usado o caso do mel como símbolo da reação regional. O setor apícola, afetado pela tarifa, representa uma base importante de geração de renda no semiárido piauiense. O estado tem articulado missões comerciais e busca diversificar os destinos da produção, com foco em Ásia, África e Oriente Médio. A secretaria de Desenvolvimento Econômico propôs a criação de um selo regional para diferenciação de produtos afetados.
Alagoas e Sergipe
Ambos os estados sofrem efeitos indiretos do tarifaço. Em Alagoas, o impacto é mais perceptível no setor sucroalcooleiro e no pequeno comércio ligado à exportação de frutas. Em Sergipe, há temor de retração no setor têxtil e no escoamento de pescados. Os dois governos defendem a ampliação de compras institucionais para absorver excedentes e proteger pequenos produtores.
Maranhão
A celulose, principal item da pauta exportadora maranhense, foi isenta da tarifa, beneficiando empresas como a Suzano. Mas os setores de madeira, pescado e castanha enfrentam efeitos colaterais. O governo do estado articulou um plano de preservação de empregos industriais nas áreas afetadas e solicitou à Sudene um mapeamento de vulnerabilidades industriais pós-tarifaço.
Um pacto em construção: do curto ao longo prazo
Além das medidas emergenciais, a assembleia do Consórcio consolidou diretrizes para uma agenda estruturante: pressionar os EUA via OMC, reposicionar o Nordeste na política externa comercial do Brasil e aproveitar eventos como a COP-30 para valorizar a fruticultura da Caatinga, a energia renovável e o modelo de inclusão produtiva regional como soluções geopolíticas alternativas.
O tarifaço se revela, assim, não apenas uma agressão comercial, mas uma convocação à soberania regional. A resposta que está sendo construída aponta para uma diplomacia federativa ativa, baseada na solidariedade territorial, no protagonismo político dos estados e na reconstrução da capacidade industrial e exportadora do Brasil a partir de seu elo mais frágil, mas também mais resiliente: o Nordeste.
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