Paulo Henrique Arantes avatar

Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

367 artigos

HOME > blog

Margareth Dalcolmo destrói fake news trumpista que relaciona paracetamol com autismo

Médica da Fiocruz desmente alegação de Donald Trump e alerta que não há relação entre uso de paracetamol na gravidez e autismo

Margareth Dalcolmo destrói fake news trumpista que relaciona paracetamol com autismo (Foto: Unicef/ONU)

Não há limite para o forjamento de fake news, sob inconfessáveis interesses, pela direita global, cujo expoente é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Nem a medicina é poupada, como se viu durante a pandemia de Covid-19, quando a atuação da Organização Mundial da Saúde foi fortemente atacada e a eficácia das vacinas questionada, ao custo de vidas humanas.

A mentira trumpista do momento é que o analgésico paracetamol, quando tomado por mulheres grávidas, é responsável pelo nascimento de crianças com autismo. O presidente anticiência anunciou que a FDA (Food and Drug Administration, agência equivalente à nossa Anvisa) notificará os médicos a respeito. Trump conta com o coro do medieval secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert Kennedy Jr.

A coluna ouviu com exclusividade a médica Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz e membro titular da Academia Nacional de Medicina, de notória atividade em prol da saúde pública. Como se supunha, Donald Trump mente descaradamente.

“A relação paracetamol-autismo não faz o menor sentido do ponto de vista de consistência científica e de atribuição de causalidade, que é a coisa mais importante quando se informa cientificamente alguma coisa”, diz Dalcolmo.

“Trata-se de uma ilação completamente sem fundamento. Em se tratando de um fármaco, exigem-se estudos controlados com placebo para que seja atribuída uma eventual relação causa e efeito”, assinala. Tais estudos nunca foram feitos, não mediante critérios cientificamente recomendados.

Segundo a pesquisadora, a mentira detonada por Trump só serve para criar pânico e encobrir o mais grave problema de saúde pública atual dos Estados Unidos: a explosão das chamadas “mortes por desespero”, de que são vítimas pessoas viciadas em opioides como hidrocodona, oxicodona, tramadol, codeína, morfina e metadona. “Esta deveria ser a preocupação do governo e das autoridades americanas: o número de jovens, homens e mulheres, que morrem por overdose de medicação opioide, hoje uma das grandes causas de mortes precoces nos Estados Unidos”, observa Dalcolmo.

A farsa da relação paracetamol-autismo remete a um episódio ocorrido no Reino Unido em 1999, quando um médico atrelou o TEA (Transtorno do Espectro Autista) à vacina contra sarampo. “Ele fez essa associação baseado num estudo absurdo, com 12 pacientes, que foi inclusive publicado na revista Lancet. Depois, foi demonstrado como sendo totalmente falso. O médico tinha relações pecuniárias, inclusive, com um grupo de advogados que queria processar o governo e empresas com base na detecção de autismo em crianças que haviam sido vacinadas contra sarampo, sem que existisse nada, zero relação entre autismo e a vacina”, recorda Dalcolmo.

O médico em questão acabou tendo seu registro profissional cassado, e a revista Lancet retratou-se, retirando o artigo anos depois, em 2010.

Não há qualquer relação demonstrada entre medicamentos e autismo, portanto. O que se sabe é que o TEA implica componentes genéticos e fatores ambientais, cujo conjunto denomina-se epigenética.

“Os métodos diagnósticos hoje existentes favorecem o diagnóstico desse transtorno, que é espectral. Há uma preocupação no mundo todo com o número de doenças relacionadas ao espectro autista nos mais variados graus, mas há zero relação com qualquer fármaco ou qualquer droga que tenha sido usada durante a gestação”, reitera a pesquisadora da Fiocruz.

A fake news paracetamol-autismo é o segundo episódio antimedicina de relevo desta gestão Trump. Em agosto, o governo americano encerrou o financiamento de vacinas de RNA mensageiro. A comunidade científica protestou, pois a medida pode atrasar ou interromper dezenas de pesquisas promissoras contra doenças como câncer, HIV, Zika e o vírus sincicial respiratório, além de representar um golpe à preparação global para novas pandemias.

“As vacinas de RNA mensageiro foram as que salvaram milhões de vidas no mundo na pandemia de Covid-19. As bases científicas da plataforma de RNA mensageiro renderam o Prêmio Nobel de Medicina ao casal de cientistas Katalin Karikó e Drew Weissman, em 2023”, destaca Margareth Dalcolmo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados

Carregando anúncios...