Grande Israel e neonazismo
A guerra contra os iranianos tende a durar poucos dias. Israel está destruindo as capacidades estratégicas do Irã
“Se você conhece seu inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. (…) Se você não conhece nem o seu inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.”
— Sun Tzu
O que mais espanta na atual guerra entre Israel e Irã não é o fato de ela estar acontecendo. Era sabido que ocorreria, pois as tramas dos interesses e das circunstâncias históricas e conjunturais envolvidas criaram a atmosfera típica daquelas guerras inevitáveis. O que mais surpreende são duas outras coisas: a ingenuidade do comando iraniano e a audácia criminosa do governo de Israel.
É inexplicável que o comando militar do Irã tenha sido pego de pijama e decepado pelos ataques israelenses. Alguns acontecimentos e evidências indicavam que os comandantes militares iranianos deveriam ter tomado todas as precauções para não serem assassinados de surpresa:
- Israel tem um histórico de assassinar líderes de seus inimigos.
- Na guerra contra o Hamas, Israel agiu sistematicamente para liquidar sua liderança.
- O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, foi assassinado em Teerã, em julho de 2024, quando estava na posse do presidente do país.
- Em setembro de 2024, a liderança política e militar do Hezbollah foi destruída com a explosão de aparelhos de comunicação tipo pager.
- Em 2020, o general iraniano Qasem Soleimani, um dos chefes da Guarda Revolucionária, foi assassinado por um ataque de drone ordenado pelo governo Trump.
As evidências recentes de que os líderes iranianos deveriam ter decretado estado de prontidão são:
- O governo Trump pretendia reiniciar uma nova rodada de negociações visando um possível acordo sobre o enriquecimento de urânio com o Irã. Esse acordo não interessa a Israel, e é presumível que o país agiria para impedi-lo.
- Nos dias que antecederam os ataques ao Irã, Netanyahu enfrentou e superou uma moção de censura no parlamento israelense. Era presumível que haveria um preço a ser pago aos extremistas religiosos — esse preço foi o ataque ao Irã.
- No dia anterior ao ataque, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) emitiu um duro relatório dizendo que o Irã violou obrigações de não proliferação relativas ao enriquecimento de urânio. Esse relatório era uma evidência suficiente para colocar todas as forças iranianas em prontidão estratégica, pois oferecia uma justificativa para um ataque de Israel.
O ataque de Israel ao Irã, neste momento, foi determinado por um complexo conjunto de oportunidades e motivações. A principal oportunidade consiste em enfraquecer ao máximo a influência do Irã na região: o Hamas foi drasticamente reduzido, o Hezbollah teve sua liderança dizimada e sofreu destruição militar; as forças pró-Irã na Síria desapareceram e os Houthis no Iêmen foram bombardeados. Com os ataques, Israel atingiu parte do sistema de mísseis balísticos e da força aérea iraniana.
As motivações são imediatas e mediatas. A principal motivação imediata foi fortalecer o governo de extrema-direita de Netanyahu, tanto interna quanto internacionalmente. Internamente, o governo estava ameaçado de perder sustentação no Parlamento, o que poderia causar sua queda. A oposição à guerra em Gaza vinha crescendo tanto dentro quanto fora de Israel. A imagem de Netanyahu no mundo é péssima. Com a guerra contra o Irã, o governo reconstitui apoios.
As motivações mediatas são de duas ordens. A primeira é que Israel se viabiliza como Estado de guerra. O Partido Trabalhista e a esquerda têm pouca influência no jogo político. O país é dominado pela direita e pela extrema-direita. A direita aceita e estimula um expansionismo moderado, principalmente nas áreas palestinas. A extrema-direita alimenta a estratégia do “Grande Israel”.
A ideia do “Grande Israel”, sustentada pelo extremismo ortodoxo religioso, consiste em restaurar os supostos limites bíblicos e históricos da Terra de Israel. Em uma das versões, esses limites abrangeriam, além do território atual, os territórios palestinos de Gaza, Cisjordânia e Colinas de Golã. Essa terra teria sido definida na aliança entre Deus e Abraão, segundo o livro do Gênesis, e se estenderia do Suez até o Eufrates.
Trata-se de uma reivindicação fundada nos mitos do Antigo Testamento, que fazem parte da história inventada do Israel antigo. Quem estuda a história desse período, com base em evidências documentais e arqueológicas, sabe que grande parte do Antigo Testamento é fictícia e que a história factual de Israel é muito mais prosaica e pobre em acontecimentos significativos. Partes do Antigo Testamento foram plagiadas de outros povos.
Para alimentar essa ambição e impedir a criação do Estado Palestino, Israel precisa sustentar esse Estado de guerra permanente e fomentar inimigos regionais. No passado, financiou o Hamas para enfraquecer a OLP. Agora, financia um grupo ligado à Al-Qaeda em Gaza para rivalizar com o Hamas.
O Estado de guerra funciona a partir de duas premissas:
a) manter um estado de conflito permanente como estratégia para garantir mobilização interna e justificar a guerra externa;
b) praticar terrorismo de Estado para assassinar lideranças inimigas e massacrar comunidades e povos vizinhos com o objetivo de dominação.
Trata-se de um Estado que utiliza métodos neonazistas. Para matar um indivíduo, destrói-se um prédio inteiro, matando centenas de crianças e mulheres. A destruição completa de Gaza insere-se nessa lógica: mata-se milhares de inocentes para atingir poucos combatentes do Hamas. Promove-se a morte pela fome, pelos deslocamentos e pelas bombas. Há um desprezo absoluto pelos seres humanos, tal como nos horrores do Holocausto. Não há limites nos meios para atingir os fins. Os israelitas acreditam possuir terras doadas por Deus, tal como os arianos se julgavam uma raça superior definida pela Natureza ou por Deus. A lógica assassina é a mesma.
A ideia do “Grande Israel” é sionista e articula o massacre e o deslocamento dos palestinos. Os líderes direitistas acusam os críticos de antissemitismo como forma de mascarar seus desígnios sionistas criminosos. Defendem o “direito de Israel de se defender” como justificativa para atacar e massacrar palestinos.
O Estado de Israel não quer a paz. Quer a guerra permanente. O assassinato de líderes de outros povos, de cientistas, e o massacre de inocentes — mulheres e crianças — suscita o ódio e o justo sentimento de vingança. O Estado de Israel se tornou uma máquina de fabricar ódio.
Em 2014, o famoso escritor israelense Amos Oz acusou os extremistas judeus de neonazismo pelos ataques perpetrados contra os palestinos. De lá para cá, o massacre aumentou exponencialmente. Em 2024, o historiador israelense Daniel Blatman afirmou: “O governo de Israel tem ministros neonazistas. Realmente lembra a Alemanha de 1933.”
A guerra contra os iranianos tende a durar poucos dias. Israel está destruindo as capacidades estratégicas do Irã. O país não tem força militar para sustentar um conflito prolongado. Para sobreviver, não poderá adotar medidas ousadas como fechar o Estreito de Ormuz. Com seus chefes militares e cientistas assassinados, com a infraestrutura destroçada e sem força aérea, não resta ao Irã outra alternativa senão uma estratégia de sobrevivência.
Com o Holocausto, boa parte dos judeus aprendeu a ser malvada.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.