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Sara York

Sara Wagner York (também conhecida como Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior) é bacharel em Jornalismo, doutora em Educação, licenciada em Letras – Inglês, Pedagogia e Letras Vernáculas. É especialista em Educação, Gênero e Sexualidade, autora do primeiro trabalho acadêmico sobre cotas para pessoas trans no Brasil, desenvolvido em seu mestrado. Pai e avó, é reconhecida como a primeira mulher trans a ancorar no jornalismo brasileiro, pela TV 247

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Formação, Sensibilidades e Rupturas: A Psicologia Latino-Americana em Debate

Em tempos de crises globais, a psicologia latino-americana se afirma como projeto de cuidado e descolonização, onde o escutar é também um ato de insurgência

Formação, Sensibilidades e Rupturas: A Psicologia Latino-Americana em Debate (Foto: Sara York)

Por Sara Wagner York, do XI Congresso da ALFEPSI 2025 – Maceió, Alagoas - Brasil

O 11º Congresso de Formação em Psicologia da América Latina, promovido pela Associação Latino-americana para a Formação e o Ensino da Psicologia (ALFEPSI), reuniu nesta semana pesquisadoras, professores e estudantes de diversos países sob o tema “A formação em Psicologia na América Latina: Sensibilidades, Cuidados e Ações Políticas”.

Entre os participantes, o professor Jefferson Bernardes, da Universidade Federal de Alagoas e conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, destacou os desafios e as possibilidades de uma formação latino-americana em Psicologia, crítica, plural e decolonial.

Em conversa exclusiva, o professor Jefferson destacou a importância do evento como um espaço de ruptura epistemológica e de partilha continental:

“A gente tem um processo formativo na psicologia brasileira muito influenciado por modelos europeus e americanos. Por outro lado, existe um modelo latino-americano que precisa ser fortalecido — um modelo que provoca questões sobre sensibilidades, cuidados e ações políticas. Queremos pensar uma formação decolonial, antirracista, anticapacitista, antitransfóbica e conectada com a realidade dos nossos povos.”

O congresso, segundo ele, é um marco político e pedagógico: uma psicologia aberta à diversidade das Américas e comprometida com seus contextos históricos.

Participam representantes de Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Equador, Costa Rica e México, todos debatendo o que significa formar psicólogos em diálogo com as realidades latino-americanas, e não em subordinação aos modelos hegemônicos do Norte Global.

Quando questionado sobre a necessidade de uma psicologia especificamente latino-americana — afinal, “não seríamos todos iguais?” — o professor Jefferson é enfático:

“O processo de colonização é o que marca a diferença. A psicologia surge nos séculos XVII e XVIII na Europa e chega ao Brasil com uma lógica universalista, centrada em um certo homem branco, europeu. Pensar psicologia latino-americana é pensar no nosso contexto, no nosso povo, nas nossas histórias.”

Em outras palavras, trata-se de descolonizar o inconsciente — reconfigurar as formas de pensar e praticar o cuidado psicológico para além dos paradigmas europeus.

O desafio está em incluir outras epistemologias, afetos e modos de existência que historicamente foram apagados do campo científico e profissional.

Entre os temas contemporâneos que atravessam o congresso, a inteligência artificial aparece como uma fronteira ainda em disputa.

Questionado sobre os impactos das tecnologias digitais e da “terapeutização online” nas subjetividades, o professor observa:

“A inteligência artificial é muito recente. Os chatbots terapêuticos e os trabalhos psicoterapêuticos mediados por IA surgiram há apenas três ou quatro anos, mas já estão produzindo mudanças profundas nos nossos modos de ser e viver. O problema é que, muitas vezes, isso reproduz novas formas de colonização da subjetividade — padrões universais de diálogo e cuidado, como se todos fôssemos iguais. E não é isso que encontramos na realidade.”

A reflexão toca em um ponto sensível: a digitalização do cuidado não pode repetir os mesmos universalismos coloniais que marcaram a psicologia tradicional.

O desafio é pensar tecnologias situadas, atravessadas pelas realidades locais, pela diversidade cultural e pelas experiências afetivas da América Latina.

A conversa com o professor Jefferson de Souza Bernardes sintetiza o espírito do XI Congresso da ALFEPSI:

fazer da formação psicológica um campo ético e político de resistência e invenção.

Em tempos de crises globais, a psicologia latino-americana se afirma como projeto coletivo de cuidado e descolonização, onde o ato de escutar é também um ato de insurgência.

Ou, nas palavras do próprio professor: uma psicologia “diversa, ampla e crítica”, capaz de reconhecer que nossas sensibilidades não cabem em moldes importados.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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