Dispensa discriminatória ideológica: o primeiro grande erro sem Jair
Campanha bolsonarista por demissões em massa expõe ilegalidade, perseguição ideológica e cortina de fumaça diante da condenação
Enquanto o ex-presidente Bolsonaro enfrentava no STF sua condenação histórica — 27 anos e 3 meses de prisão —, próceres de sua grei lançavam nas redes uma campanha pela demissão em massa de empregados identificados com a ideologia “de esquerda”.
O estopim foram manifestações públicas de alguns internautas, em chiste ou apoio, ao intolerável assassinato de um ativista político conservador americano durante um debate universitário nos EUA.
Neste ponto, é preciso ressalvar de forma expressa: essas manifestações são condenáveis e revelam, inclusive, os perigos do anátema nietzschiano. Enfim, seus autores merecem a mais severa reprimenda moral e, se o caso, legal, na proporção de sua conduta.
Porém, esse movimento bolsonarista pela dispensa em massa de “esquerdistas” é, sem dúvida, a forma mais estúpida possível de tentar reprimir tal comportamento.
A medida é tão canhestra, tão bisonha, que chega a pôr em xeque a sanidade de seus defensores. Especialmente daqueles que, como já vimos em um certo 8 de janeiro, fazem questão de produzir provas contra si mesmos — desta vez, postando nas redes quantos “esquerdistas” já teriam demitido em suas empresas.
Convenientemente, o tema também desviou o foco da condenação acachapante de seu grande líder, agora golpista condenado e futuro hóspede de uma cela especialmente reservada para si.
Chegaram até a fazer ouvidos moucos para Bananinha, clamando que o rebanho focasse no tema único e hit do momento: “oh, Trump, salva...”.
É que, na incapacidade de justificar o injustificável, resta o de sempre: criar cortina de fumaça, semear ódio e estimular perseguições contra os mais pobres e vulneráveis.
A lição é histórica: a corda, meu amigo, acredite, sempre arrebenta do lado mais fraco.
Bananeira não dá uva.
As redes foram inundadas por vídeos de supostos empresários “bem-sucedidos” jurando livrar-se dos empregados “extremistas”. Uma linda campanha do amor pelo ódio, no extremo ato de eliminar os extremistas.
Na impossibilidade física, opta-se pela morte civil, com o estrangulamento financeiro dos desempregados.
Mas esse espetáculo dantesco tem grandes chances de se tornar o primeiro grande erro do bolsonarismo sem Jair, em que só o grotesco e a estupidez sobraram, sem o mito para mostrar o caminho do precipício.
Receio que o próprio mito não seria capaz de encontrar um atalho tão rápido para o desastre. E olhe que estamos falando de quem já gritou em público que jamais seria preso, não cumpriria ordens de você sabe quem, que era “imbrochável, incomível” e coisa pior, mas agora está prestes a ver o sol nascer quadrado — adivinhe por ordem de você sabe quem?
A burrice é simples.
Dispensa discriminatória por crença pessoal ou ideologia política é proibida pela Constituição. A Lei 9.029/95 tipifica como crime algumas dessas práticas e, para o trabalhador dispensado discriminatoriamente, assegura reintegração ou indenização em dobro, além de danos morais.
Não é preciso ser douto em Direito. No Brasil, ninguém pode alegar ignorância da lei.
Um deputado, precursor da campanha nas redes, primeiro postou: “é preciso demitir os verdadeiros extremistas da empresa”.
Recado dado, recado entendido: “demitam os esquerdistas”.
Alertado, talvez, por alguém minimamente versado na Constituição, correu a dizer que não falava de “esquerdistas”, mas apenas de “extremistas que comemoraram a morte do pensador americano”.
Mostrou que aprendeu bem com seu mito: primeiro o “apito de cachorro”, na sequência, depois que atiçou a matilha, lavou as mãos.
Pilatos não faria melhor.
O mito, com seu famoso “não é comigo”, ao que parece, fez escola.
Seu problema é que toda sociedade já tem aberto os olhos para essa jogada manjada nas mídias sociais, e as instituições da República já se deram conta dos efeitos nocivos dessas ações. Vinte e sete anos e 3 meses de cana revelam que essa “conversinha de malandro pra delegado” não cola mais.
Todos sabem como isso funciona: o que começa como um “pega ladrão” termina em linchamento.
E quem grita primeiro pode até negar o crime, mas tem as mãos sujas do ódio que instilou nas massas.
A hipótese é clara: ainda que por palavras diferentes — extremistas —, o sentido e o propósito foram compreendidos pelo rebanho: “demitam os esquerdistas”.
A conversinha de ter sido “mal interpretado” deve convencer tanto quanto a terra ser quadrada, ainda mais considerando o princípio da primazia da realidade sobre a forma, cânone desde sempre presente na Justiça do Trabalho.
E assim seguimos: 8 de janeiro nas ruas, 8 de janeiro nas redes.
E eis que surge um novo surto coletivo transformado em perseguição de trabalhadores que apenas professam ideologia distinta de seus patrões.
Covardia.
A questão é que todos já sabem como essas coisas começam.
E todos já viram como terminam.
Tiro no pé.
Como já mencionei antes: a condenação de Bolsonaro é marco histórico para o Brasil e para o mundo.
A internet já não pode ser vista como terra sem lei.
“As consequências vêm depois.”
E elas virão também para esses líderes que hoje tentam substituir o mito. Não adianta negar nas redes. A conta chegará.
Quando empresários enredados nessa distopia começarem a receber as reprimendas dos órgãos de controle trabalhista, como o MPT, o MTE e a Justiça do Trabalho, perceberão que mais uma vez foram usados.
E, dessa vez, receio, não haverá sequer discussão sobre “anistia” para tamanha burrice.
Ela tem método, mas, lamentavelmente, ao que parece, não tem cura.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.