Trump, Rubio e o ataque transnacional aos sistemas judiciais
Sanções de Trump e Marco Rubio contra STF e Corte Penal Internacional ampliam crise diplomática e desafiam soberania do Brasil
Nos últimos meses, diversas ações do governo de Donald Trump e de seus principais ministros — com destaque para o secretário de Estado Marco Rubio — revelaram uma estratégia cada vez mais agressiva de intervir (ou, ao menos, declarar oposição) a decisões judiciais em outros países. Essas intervenções kafkianas vão desde sanções contra juízes estrangeiros até restrições de vistos e retaliações econômicas contra nações e autoridades judiciais sempre que os veredictos contrariam os interesses da Casa Branca.
Brasil no alvo
O Brasil tornou-se um dos principais alvos dessa ofensiva. Em julho, o governo Trump incluiu o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na lista de sanções da Lei Magnitsky e impôs restrições de visto a ele e a familiares. Washington justificou a medida como reação à “perseguição política” contra Jair Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe. Ameaçou também os demais membros da Corte com o objetivo de intimidá-los. A retaliação foi acompanhada de tarifas de até 50% sobre exportações brasileiras.
A resposta do governo Lula foi imediata: reafirmou a independência do Judiciário e denunciou a iniciativa como ingerência indevida em assuntos internos. Diplomatas brasileiros lembraram que os processos contra Bolsonaro seguiram o devido processo legal e tiveram amplo direito de defesa.
Pressão sobre tribunais internacionais
A ofensiva não se limita ao Brasil. Juízes da Corte Penal Internacional (CPI, na sigla em inglês) também foram alvo de sanções depois de autorizarem investigações contra militares israelenses e norte-americanos.
O secretário de Estado Marco Rubio anunciou sanções contra quatro juízes da Corte Penal Internacional por terem autorizado mandados de prisão que envolvem oficiais israelenses e decisões relativas à Guerra do Afeganistão. As sanções incluíram congelamento de bens nos EUA de pessoas estrangeiras acusadas pelo governo americano de participarem de ações “ilegítimas” ou “sem base” contra cidadãos ou aliados dos EUA. A medida também bloqueou viagens aos EUA. Com certeza, trata-se de um precedente perigoso, em que o Executivo americano passa a punir autoridades de tribunais independentes.
Embora o Brasil seja talvez o exemplo mais claro de pressão bilateral, há um padrão emergente de críticas públicas, sanções ou declarações agressivas do governo Trump/Rubio contra sistemas judiciais estrangeiros, sempre que decisões interferem em interesses políticos do governo dos EUA ou de seus aliados.
A viagem de Rubio a Israel
No mesmo contexto, Marco Rubio visitou Israel em setembro. A missão teve duplo objetivo: reafirmar o apoio de Washington a Benjamin Netanyahu, acusado no Tribunal de Haia por crimes de guerra, e garantir que os EUA continuarão a bloquear qualquer decisão internacional que imponha sanções ao governo israelense. Rubio viajou a Israel entre 13 e 18 de setembro de 2025. A viagem foi vista como um gesto político claro de respaldo às operações militares em Gaza, num momento de fortes tensões na região: logo após um ataque israelense no Catar que atingiu líderes ligados ao Hamas e em meio a esforços diplomáticos para negociar um cessar-fogo em Gaza.
A missão de Rubio incluiu reafirmar o apoio dos EUA a Israel, debater a segurança regional e demonstrar solidariedade em meio às críticas internacionais sobre ofensivas israelenses.
Antes da viagem de Rubio a Israel, houve um encontro com o primeiro-ministro do Catar. Rubio e o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, se reuniram com o xeque Mohammed bin Abdulrahman Al Thani na Casa Branca, na sexta-feira (12). Rubio antecipou críticas ao ataque no Catar, numa demonstração de como os EUA tentam equilibrar “alianças difíceis” sem abandonar completamente aliados ou mediadores.
Soberania, direito internacional e legitimações
O ataque transnacional — via sanções, retaliação econômica, restrição de vistos ou condenação pública — aos Judiciários de países soberanos coloca em debate algo central: com que legitimidade o governo dos EUA julga juízes estrangeiros cujas decisões o desagradam?
A resposta oficial está nos tratados de direitos humanos, mecanismos multilaterais e na retórica de proteção de liberdades básicas. Mas a prática, como vemos, frequentemente ultrapassa esses limites, transformando decisões judiciais em peças de uma guerra política internacional, em que a soberania é sacrificada em nome de interesses estratégicos ou partidários.
A viagem de Rubio a Israel reforça esse padrão: alinhamento claro com políticas que favorecem aliados cujas ações possuem implicações sensíveis para o direito internacional (no caso, Israel/Hamas, guerra e genocídio em Gaza, direitos civis, ocupação etc.). A linha entre diplomacia e imposição torna-se tênue.
Para o Brasil, o episódio é um teste de resistência institucional. A democracia brasileira só se fortalecerá se o país mantiver sua autonomia diante de pressões externas, deixando claro que decisões do STF não se submetem ao crivo de nenhuma potência estrangeira.
O julgamento que incomoda Trump
A condenação histórica do ex-presidente Jair Bolsonaro e de generais envolvidos na tentativa de golpe de Estado expôs uma fratura entre Brasília e Washington. Para Trump, que sempre se apresentou como aliado político do ex-presidente, o veredicto simboliza uma derrota política e ideológica. Resta saber: quais armas a Casa Branca tramará contra o Brasil? Novas sanções, retaliações comerciais ou pressões diplomáticas? Ou, em última análise, será que o Brasil realmente interessa a Trump além de servir como palco para sua guerra cultural contra tribunais independentes?
Aliás, é chegada a hora de o Brasil revidar em alto e bom som, nos termos do artigo de hoje de Jack Nicas, no New York Times, intitulado “Brazil Keeps Telling Trump to Get Lost”.
Trump, se manda! Dá o fora!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.