COP 30 não deve ser o fórum que barra o Sul Global pela porta dos custos — soluções existem
Brasil precisa garantir a inclusão do Sul Global na COP30. Temos 100 dias para descobrir se foi uma boa ideia trazer para o Pará a discussão sobre o clima
A cidade de Belém tem acordado assustada nas últimas semanas.. No calor que amanhece molhado de rios e onde o asfalto ainda hesita antes de avançar mata adentro, começa-se a perceber que a COP30, que prometia ser um banquete global de soluções climáticas, ameaça se tornar um baile de máscaras para poucos convidados. Delegações do Sul Global — vindas de Gana, Camboja, Laos, Etiópia, da memória ferida de ex-colônias — manifestam agora um temor legítimo: serem barradas não pela política, mas pelos preços. Hotéis de três estrelas com tarifas de reis. Quartos modestos custando mais que pequenas plantações de cacau.
A cada dia que passa, mais críticas chovem de delegações estrangeiras ansiosas por participar do evento em Belém do Pará, expondo a ganância desmedida do empresariado hoteleiro da capital paraense. Hotéis de três estrelas chegam ao absurdo de cobrar mais do que o dobro da diária do icônico Copacabana Palace, transformando a hospitalidade em um luxo inacessível. Enquanto a ONU estipulou um valor de referência de US$ 147 para despesas de acomodação, em Belém há diárias disparando para equivalentes a R$ 9.000, um golpe que ameaça minar a essência inclusiva da conferência climática.
A pressão por uma mudança de sede, que inicialmente ecoava apenas entre os países mais pobres, agora ganha vozes potentes de nações do primeiro mundo, como a Áustria. O chanceler austríaco, Karl Nehammer, anunciou que não comparecerá pessoalmente, enviando em seu lugar um ministro e reduzindo drasticamente a delegação do país — tudo por causa dos preços exorbitantes e abusivos cobrados para hospedagem durante os 10 dias do evento, um escândalo que revela como a cobiça local pode comprometer a diplomacia global.
A especulação transformou a hospitalidade paraense em caricatura, como aquele antigo Hotel Nota 10, que virou COP30 — e, no passe de mágica mais capitalista do ano, multiplicou sua diária de R$ 70 para R$ 5.670. A cidade virou manchete. Mas não pelas vitórias. Diante da ironia, que é quase uma tragédia: uma conferência dedicada à justiça climática prestes a escorregar na lama da exclusão econômica. A ONU corre, convoca reuniões, como quem tenta apagar incêndio com vento. Enquanto isso, o embaixador Correia do Lago, firme como uma castanheira no vendaval, descarta a ideia de transferir a COP para outro canto.
Fez bem. Pois o que se decide aqui não é apenas a sede do evento, mas a alma do Brasil. E uma alma, sabemos, não se muda de endereço como quem troca de mala. Resta-nos fazer da crise uma chance, uma oportunidade, aliás, não é isso que diz o idioma chinês para a palavra crise? Transformar um erro de cálculo num gesto de acolhimento. É o que temos a fazer.
E o Brasil, se quiser, pode. O país que ergueu mais de 7 milhões de moradias populares em pouco mais de uma década sabe onde está a argamassa da dignidade. Tem operários, tem madeira, tem ideias. Tem ainda, sob o chão quente da Amazônia, a urgência dos que não podem mais esperar. A proposta é simples como um poema sincero: construir vilas modulares e sustentáveis nos arredores de Belém. Casas de encaixe rápido, de madeira que respira, de telhados que absorvem o sol. Hospedagens dignas para quem vem lutar pelo planeta.
E, depois, morada para quem nunca teve casa. Seria o raro caso em que o efêmero se converte em eterno — e um quarto de conferência vira teto de vida. O tipo de legado que nunca seria rotulado de elefante branco depois da festa. Três meses. Esse é o tempo. E, para quem duvida, basta olhar para o outro lado do mundo: na China, edifícios com 57 andares se erguem em 19 dias, como quem monta castelos de papelão em feiras de invenção. Belém, por que não?, poderia importar não apenas tecnologia, mas também a coragem.
Que se convoquem engenheiros, poetas, carpinteiros, diplomatas, urbanistas. Que se desenhe um plano onde sustentabilidade não seja ‘jogada de marketing’, mas fundação. Ao invés de barcos-hotel navegando sobre promessas, que surjam bairros, respiráveis, onde o mundo possa dormir em paz. Se o mundo não couber em Belém, então é o mundo que precisa reaprender a se dobrar. A Amazônia é generosa. Tem espaço para o multilateralismo e para os botos. Para os chefes de Estado e para as mães ribeirinhas.
Mas ela exige respeito. E respeito, neste caso, é garantir que o Sul Global — esse irmão de tantas ausências — não seja deixado à margem do evento onde se decide o futuro de todos. Porque se a COP 30 expulsar os mais pobres por falta de cama, então será apenas mais um teatro mal iluminado com falas decoradas. O tipo de evento onde os aplausos soam como moeda.
Ainda é tempo de virar essa página. De fazer da COP30 um marco não apenas climático, mas humano. Que o Pará se levante como símbolo: não da cobiça, mas da solução. Que as casas que abrigarem delegações da Tanzânia ou do Haiti possam depois aquecer os ossos de uma senhora amazônida que perdeu tudo às margens de um igarapé.
Que a cidade se reconheça no espelho do mundo e goste do que vê. Porque é disso que se trata: de espelhos, de dignidade, de justiça concreta — aquela que se constrói com tábuas, tijolos e boa vontade. A COP30 não pode ser lembrada como o fórum que trancou a porta na cara do Sul Global. Deve ser memória de uma ponte — onde os que sempre esperaram do lado de fora finalmente entraram. E ocuparam o centro da sala. O resto, como diria um poeta de Angola, é poeira levantada por quem não caminha.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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