Charlie Kirk e Nikolas Ferreira: Jesus Cristo jamais andaria com um deles
É hora de um levante social contra os falsos valores morais e cristãos defendidos pela extrema-direita, sugere Ricardo Nêggo Tom
Nem o mais desatento ou “low profile” dos seres humanos que habitam neste momento o planeta Terra tem o direito de ficar alheio – seja consciente ou inconscientemente – ao que está acontecendo no ambiente social, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. E cabe a todos aqueles mais atentos e engajados no debate social a obrigação de trazer à luz tudo aquilo que tem sido produzido nas trevas e apresentado como valores morais e cristãos. Sejamos socráticos, aristotélicos, apolíneos e até dionisíacos, como a filosofia central de Nietzsche, para promovermos a libertação através do conhecimento dos fatos. Afinal, contra eles não há argumentos. E ainda que haja resistência diante da realidade, recorramos à lei para fazer valer o sagrado direito à vida que todos possuem.
Indo direto ao ponto: a extrema-direita é um mal a ser combatido com políticas públicas educacionais e inclusivas, com fatos históricos, com argumentos lógicos, com leis que garantam o respeito às diferenças, com o verdadeiro evangelho de Cristo, com a oralidade ancestral africana, com a meditação dos monges tibetanos e com todo e qualquer instrumento que estimule o raciocínio e o senso de humanidade nas pessoas. E já me faço entender. Recorrendo ao silogismo aristotélico, proponho como premissa maior o fato de que todo homem bom não deseja a morte de inocentes. Como premissa menor, digo que Charlie Kirk desejava a morte de pessoas inocentes para defender o direito ao porte de armas. Logo, como conclusão, Charlie Kirk não era um homem bom. Convença-me de que estou errado, interpretando a frase abaixo:
“Acho que vale a pena ter o custo, infelizmente, de algumas mortes por armas de fogo a cada ano, para que possamos manter a Segunda Emenda e proteger nossos outros direitos dados por Deus. Isso é um acordo prudente. É racional.”
A frase foi proferida por Charlie Kirk, em abril de 2023, durante evento cristão (oi?) em Salt Lake City, onde dezenas de pessoas o ouviam falar em nome de Jesus e dos sagrados valores divinos. Charlie se propunha a ser um discípulo de Jesus na Terra e arrastava milhares de jovens com o seu discurso bélico-cristão. O que os seus seguidores não sabiam é que Jesus jamais andaria ao lado de alguém tão, digamos, controverso e perigoso quanto Kirk. Além do discurso armamentista, Charlie defendia abertamente ideias racistas, homofóbicas, aporofóbicas e excludentes. Como na vez em que criticou publicamente a Lei dos Direitos Civis de 1964, que proibiu a segregação e discriminação racial nos EUA, dizendo que naquela época os negros eram pessoas melhores e cometiam menos crimes. Nessa fala, Charlie contou com o apoio do pastor evangélico Joel Webbon, da cidade de Austin, no Texas (EUA), que fez um “alerta” aos pais sobre os locais e os tipos de pessoas que seus filhos deveriam evitar.
“Se você é um pai cristão, branco, que ama seus filhos, então você precisa ter a conversa. Se forem estranhos negros, o perigo é 30 vezes maior. Esses são os fatos.”
Na verdade, os fatos são bem diferentes, e foi a presença de estranhos brancos que invadiram o continente africano que levou os negros a séculos de escravização. Eu diria a um pai negro que ama seus filhos que estranhos brancos podem ser quatro séculos mais perigosos do que qualquer outra pessoa. Essa é a história. E, como sugeri no segundo parágrafo deste texto, precisamos expô-la para que não haja dúvidas de que cristãos de extrema-direita são mentirosos, preconceituosos, violentos e criminosos. No Brasil, Nikolas Ferreira se apresenta como o arauto da juventude cristã. Portador dos quatro adjetivos ora mencionados como características de evangélicos de extrema-direita, ele vem se preparando para o “pior”, que poderá fazê-lo governador de Minas Gerais ou alavancar sua carreira política com vistas a uma futura candidatura à presidência. Sim. Não duvidem de que Nikolas possa forjar um atentado contra si, que o transforme em “mártir vivo” da extrema-direita brasileira e do projeto de poder evangélico no país.
Nikolas Ferreira é mentiroso quando acusa professores de exibirem filmes pornográficos em sala de aula, sem apresentar provas do que fala. Preconceituoso e criminoso, já discursou no plenário da Câmara dos Deputados usando uma peruca loira para ironizar mulheres trans e já foi condenado a indenizar em 30 mil reais a deputada Duda Salabert por crime de transfobia. Violento e sem empatia com a dor alheia, declarou durante participação em podcast do jornalista esportivo Rica Perrone que “Marielle Franco não era flor que se cheire” e não era porque havia morrido que mereceria homenagens, e arrematou dizendo: “caguei para Marielle”. Estamos falando do mesmo Nikolas que está empreendendo uma campanha nas redes sociais contra quem ironiza a morte do seu álter ego Charlie Kirk. Parafraseando o pastor Webbon, eu diria que, se você é pai cristão, brasileiro e ama seus filhos, então precisa ter uma conversa com eles sobre Nikolas Ferreira.
Aliás, sobre empatia, o bom moço estadunidense que deixou os fascistas comovidos com sua morte costumava dizer que "na verdade, não suporto a palavra empatia. Acho que empatia é um termo inventado, da nova era, e causa muitos danos." Não preciso dizer que Nikolas Ferreira comunga do mesmo pensamento. Não por coincidência, Nikolas – assim como Charlie foi – é um ferrenho detrator da comunidade LGBT+, para a qual sempre destina provocações e falas que tentam invalidar, demonizar e ridicularizar a existência desse grupo de pessoas. Longe do debate de ideias e divergência de opiniões – como tenho visto a mídia corporativa propalar como motivo do assassinato de Kirk – racismo e homofobia são crimes, e extremismo é naturalizar tais comportamentos como mera visão de mundo. Sobretudo quando alguém que possua mais de 9 milhões de seguidores nas redes sociais – como Charlie Kirk possuía – vem a público defender a volta da execução pública de pessoas, sugerindo a Coca-Cola como patrocinadora oficial do evento. Isto é sórdido, vil, infame e não pode ser propagado na voz de pessoas públicas.
Kirk era um semeador de ódio social, racial e de gênero, sob a égide da liberdade de expressão. Embora não sinta nenhum prazer com seu assassinato, sinto-me no dever de provocar reflexão acerca daquilo que ele disseminava como ideologia e como virtude cristã, contrapondo-se ao respeito às diferenças e à existência de pessoas que não refletissem sua imagem através do espelho. Estamos falando de um supremacista branco, de um protestante fundamentalista, de um reacionário que contrariava tudo o que o conceito de igualdade entre as pessoas preconiza. É muito perigoso matérias como a exibida no “Fantástico”, da Rede Globo – onde Kirk foi apresentado como um jovem idealista e exemplar – ou como a matéria do site Terra, cujo título “Charlie Kirk e a Justiça da Fé: o legado religioso que ultrapassa o ativismo político” quase sugere a canonização de um santo passivo-agressivo, padroeiro dos racistas, dos homofóbicos e dos armamentistas.
Um santo que faz da igreja um ambiente de comunicação confuso e conflituoso, a partir de um traço de santidade que combina passividade aparente com uma agressividade disfarçada, que prejudica relacionamentos interpessoais e a resolução de conflitos sociais. Um santo que fará o milagre da procrastinação e da sabotagem de pautas importantes à construção de uma sociedade mais justa e igualitária, adiando intencionalmente, por meio da “fé”, a execução de tarefas que fariam do mundo um ambiente menos hostil para as chamadas minorias. Charlie Kirk não era um exemplo para o mundo civilizado e muito menos para o chamado mundo cristão, assim como Nikolas Ferreira – o seu homônimo ideológico no Brasil – também não é. E tenho certeza de que Jesus – o príncipe da paz para o cristianismo – jamais andaria ao lado de figuras tão bélicas, hipócritas e sociodivergentes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.