Cent'anni, Lula!
Lula, mais uma vez, me emocionou, por isso: Cent’anni, Lula! A frase em italiano é usada como um brinde, desejando longa vida, saúde e felicidade a alguém
Não é de hoje que suas palavras me sensibilizam; aliás, desde as greves que ele liderou em São Bernardo do Campo, ele me inspira e me põe em movimento militante.
Merece ser registrado que as greves de 1978-1980 no ABC Paulista foram mais que manifestações operárias; elas foram determinantes para a abertura política da ditadura militar e marcaram o ressurgimento do movimento trabalhista brasileiro, após a repressão promovida pela ditadura militar. Ele me surpreende.
Me emociona também sua coragem de dizer a verdade, com respeito e altivez, com elegância e assertividade.
Hoje quero comentar o seu discurso na ONU.
Após a saudação aos presentes, foi logo dizendo que aquele deveria ser um momento de celebração das Nações Unidas, símbolo da expressão mais elevada da aspiração pela paz e pela prosperidade; deveria ser um momento de dura reflexão, dura e necessária.
Advertiu os presentes que “os ideais que inspiraram seus fundadores (...) estão ameaçados”; ressaltou que o multilateralismo está diante de nova encruzilhada e que a autoridade da ONU está em xeque, diante da “desordem internacional marcada por seguidas concessões à política do poder”, atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais.
Lulinha fez um inteligente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia; chamou a atenção para o fato de que, quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas, tanto que vemos, em todo o mundo, forças antidemocráticas tentando subjugar as instituições e sufocar as liberdades; assistimos ao culto à violência, à ignorância, à atuação de milícias físicas e digitais, que comprometem as liberdades.
Censurou sem medo os golpistas brasileiros e as tarifas impostas pelos EUA, colocando os dois no mesmo balaio, mas o fez com inteligência e elegância, afirmando: “A agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável”.
O vigor das democracias, afirmou Lula, exige luta contra as desigualdades e pela garantia dos direitos mais elementares: a alimentação, a segurança, o trabalho, a moradia, a educação e a saúde. Pois, “A democracia falha quando as mulheres ganham menos que os homens ou morrem pelas mãos de parceiros e familiares”. Foi além e afirmou: “Ela perde quando fecha suas portas e culpa migrantes pelas mazelas do mundo”.
Lembrou que a pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo e disse com autoridade: “A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza”.
Enfrentou o interesse das big techs quando alertou que a democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância. Por isso, as plataformas digitais, que trazem possibilidades de nos aproximar como jamais havíamos imaginado, não podem ser usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação; afinal, a internet não pode ser uma “terra sem lei”, cabendo ao poder público proteger os mais vulneráveis. E afirmou: “Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual”.
Sabemos que os ataques à regulação servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia. Por essas e outras, temos que defender o debate amplo e honesto sobre o tema, na sociedade e no Congresso.
A América Latina e o Caribe não ficaram fora da análise de Lula. Ele alertou que vivemos um momento de crescente polarização e instabilidade; por isso, manter a região como zona de paz é nossa prioridade, e precisamos continuar a ser um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos.
Colocou na mesa um debate que a extrema-direita tem dificuldade de compreender: a preocupante equiparação entre a criminalidade e o terrorismo, e afirmou que a forma mais eficaz de combater o tráfico de drogas é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas.
Falou da Venezuela, do Haiti, de Cuba, da Ucrânia (citando o encontro de Trump e Putin no Alasca, o qual, segundo Lula, “despertou a esperança de uma saída negociada”).
Para desespero da extrema-direita lesa-pátria no Brasil, afirmou que os atentados terroristas perpetrados pelo Hamas são indefensáveis sob qualquer ângulo, mas, no melhor estilo “uma no cravo e uma na ferradura”, completou: “...nada justifica o genocídio em curso em Gaza”, pois, “...sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”, uma imagem dura.
Depois dessas verdades, inconvenientes para alguns, afirmou: “Bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática” e que “A COP30, em Belém, será a COP da verdade”, pois será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta. Afinal, “É chegado o momento de passar da fase de negociação para a etapa de implementação”.
Bateu forte em Trump quando afirmou que “Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio” e propôs a refundação da OMC em bases modernas e flexíveis.
Fez afetiva referência ao ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, e ao Papa Francisco, como pessoas que encarnaram os melhores valores humanistas.
E encerrou o discurso dizendo que o século 21 será cada vez mais multipolar e que, para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral. Por isso, a voz do Sul Global deve ser ouvida.
Como não amar esse pernambucano, cujo único defeito é ser torcedor do time que nos “roubou”, em 1977, o sonho de sermos grandes.
Por essas e muitas outras, novamente: Cent’anni, Lula!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.