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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Aumentar as penas não vai intimidar o Comando Vermelho, muito menos o PCC

Projeto de lei do governo federal, alterado por Guilherme Derrite, amplia penas e endurece regras para facções criminosas

Aumentar as penas não vai intimidar o Comando Vermelho, muito menos o PCC (Foto: Reprodução/TV Globo )

A discussão sobre o combate ao crime organizado, especialmente organizações traficantes de drogas, está fora dos trilhos e, claro, a direita merece o estandarte de pior desempenho conceitual quando se invoca o Direito Penal. Imagine-se que o Governo Federal elaborou um projeto de lei – o PL 5.582 / 2025 – endurecendo a legislação penal para crimes praticados por integrantes de facções e esse projeto, uma vez no Congresso, foi sorrateiramente entregue à relatoria de Guilherme Derrite (PP-SP), que se licenciou do comando da Secretaria de Segurança de São Paulo para assumir seu mandato de deputado. O resultado, por óbvio e pelo que já se sabe, será o endurecimento do endurecimento. 

Os progressistas estão habituados a serem chamados de tolerantes com bandidos, mas ainda assim preferem compartilhar da opinião de quem estuda o Direito Penal e seus efeitos. Elevar o período de cumprimento da pena, tornar o encarceramento mais doloroso e aumentar o percentual mínimo para progressão de regime não vai intimidar o Comando Vermelho, muito menos o PCC. 

“O simples aumento de penas é apenas um Direito Penal simbólico. Não serve para nada. Na Inglaterra do século XVIII transformaram o punguismo em crime com pena de enforcamento. Os primeiros quatro punguistas foram presos e condenados. O enforcamento deles aconteceu em praça publica. O povo todo foi ver o novo Direito Penal. Aquele foi o dia em que mais se furtaram carteiras.”

A historieta acima foi contada a este jornalista pelo jurista e professor de Direito Lenio Streck, para quem o efeito que se deseja da pena só virá, antes de tudo, mediante sua razoabilidade e efetivo cumprimento. “A pena tem de ser razoável e representar a certeza da retribuição estatal”, diz Streck. Ou seja, a pena, devidamente cumprida, deve consagrar o papel sancionador do Estado contra o autor de um crime como resposta – ou compensação - pelo mal causado por esse criminoso à sociedade. “Aumentar simplesmente a pena é como dar uma reposta fácil para um problema complexo. Cada problema complexo tem uma resposta fácil... e errada”.

Professor do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP, Patrick Cacicedo é ainda mais enfático: “Definitivamente, todos os estudos criminológicos, nacionais e internacionais, desmentem a correlação entre o aumento de penas e redução de crimes em geral, em especial com relação ao crime organizado”.  Aumentar penas, segundo Cacicedo, constitui “mais uma medida que não encara os principais problemas do fenômeno e que vai gerar um efeito meramente simbólico e atingir as mesmas pessoas de sempre, que são as mais jovens dos mais baixos estratos da linha do tráfico”. 

A afirmação do jurista confirma-se com uma mera passada de olhos na história recente do Brasil. Desde a Lei de Crimes Hediondos, de 1990, até 2025, passando pelo Pacote Anticrime de Sérgio Moro, idealizado pelo ex-juiz parcial no Governo Bolsonaro, cresce o rigor na legislação penal, movimento que não mostrou nenhuma eficácia preventiva sobre crimes, porque a prevenção de crimes passa por outros tipos de enfrentamento do problema, cujas raízes são socioeconômicas.

“O simples aumento de pena, normalmente, funciona mais como um discurso de combate ao inimigo do que algo propriamente eficaz contra o crime. Por exemplo: não houve uma redução significativa da violência contra a mulher com o aumento das penas para os crimes contra a mulher – esse é um dado empírico”, lembra o jurista e professor de Direito Pedro Serrano. 

A ação estatal de combate ao crime será mais eficaz quando adotar a chamada racionalidade transversal, de modo a atravessar fronteiras disciplinares, culturais e institucionais, não se atendo apenas ao tamanho e à dureza das penas. “É relevante que tenhamos medidas como redução das desigualdades sociais. É algo impressionante: não há um país no mundo que tenha desigualdade social e que não seja violento. Se você considerar a OCDE, o país mais violento são os Estados Unidos, que é o mais desigual dentre seus membros”, observa Serrano. 

No Direito, a ideia de racionalidade transversal aparece em autores como José Joaquim Gomes Canotilho e Luigi Ferrajoli, especialmente quando se discute a crise da racionalidade jurídica moderna. Decorre da necessidade de o Direito dialogar com outras racionalidades — políticas, econômicas, sociais, morais, científicas — sem se fechar numa lógica puramente normativa. Trata-se da busca por uma integração crítica entre diferentes sistemas de saber, que permita uma compreensão mais complexa e democrática da realidade jurídica.

Alguém ousa explicar a racionalidade transversal para um Guilherme Derrite ou um Sérgio Moro?

Veja a seguir um comparativo entre o Projeto de Lei 5.582 / 2025 enviado ao Congresso pelo Governo Federal e alguns itens do substitutivo já anunciados pelo relator, deputado Guilherme Derrite.

Texto original do Executivo

• O projeto altera a Lei 12.850/2013 (organizações criminosas), o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei 8.072/1990 (crimes hediondos), a Lei 7.960/1989 (prisão temporária) e a Lei 7.210/1984 (Execução Penal), “para dispor sobre o combate às organizações criminosas no País”. Cria a figura da “facção criminosa” ou “organização criminosa qualificada” que controle territórios ou atividades econômicas mediante violência, coação ou intimidação. 

• Prevê penas de 8 a 15 anos para quem promover, constituir, financiar ou integrar facção criminosa. Em casos de homicídio praticado em benefício ou ordem da facção, penas de 12 a 30 anos, enquadramento como crime hediondo

• Aumentos de pena quando houver: participação de criança ou adolescente; infiltração no setor público; destinação do produto do crime para o exterior; conexão com outras organizações; uso de arma de fogo de uso restrito; domínio territorial ou prisional; morte ou lesão de agente de segurança pública. 

• Instrumentos de investigação mais fortes: cooperação internacional coordenada pela Polícia Federal, acesso a dados de geolocalização e registros de conexão, empresas de tecnologia, fintechs, etc. 

• Criação de um “Banco Nacional de Facções Criminosas”. 

Substitutivo anunciado por Guilherme Derrite

• Aumentar a pena básica para 20 a 40 anos em casos mais graves (como domínio de cidades, ataques a presídios, uso de explosivos). 

• Obrigatoriedade de cumprimento de pena em presídios federais de segurança máxima para líderes de facções

• Vedação de benefícios como anistia, graça, indulto, liberdade condicional para condenados por esses crimes. 

• Corte do auxílio-reclusão para dependentes de condenados por esses crimes. 

• Aumento do percentual mínimo para progressão de regime: de 40% (modelo atual) para 70% a 85% nos casos mais graves ou reincidentes. 

• Ampliação de condutas: inclusão de sabotagem de infraestrutura pública, ataques a forças de segurança, uso de explosivos contra instituições financeiras, bloqueios de vias e serviços públicos, como equiparação ou aproximação com terrorismo. 

• Fortalecimento do enfrentamento financeiro das facções: bloqueio, sequestro e confisco de bens físicos e digitais, criptomoedas, participação em empresas de fachada, proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais por até 15 anos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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