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Mário Maurici

Jornalista, ex-vereador e ex-prefeito de Franco da Rocha, ex-vice-presidente da EBC e ex-presidente da Ceagesp. Atualmente, deputado estadual e primeiro secretário da Assembleia Legislativa de São Paulo.

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O perigo do uso político da segurança

"Se matança resolvesse, Rio e São Paulo seriam hoje lugares seguros. Não são. E isso desmonta, por si só, a lógica do confronto como política pública"

São Paulo (SP), 31/10/2025 - Pessoas na Avenida Paulista durante manifestação contra a operação policial Contenção no Rio de Janeiro. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Muito foi dito sobre a megaoperação policial realizada na última semana nos complexos da Penha e do Alemão, na zona Norte do Rio de Janeiro. Não à toa. Para além da violência que se viu, a segurança pública —ou a falta dela— é uma preocupação real no cotidiano das pessoas. Debatê-la é um assunto necessário e urgente.

Quase simultaneamente, outro fato relevante teve menos destaque no noticiário: o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode cassar o mandato do governador fluminense, Cláudio Castro, e torná-lo inelegível por oito anos. Os ministros começaram a proferir seus votos, mas um pedido de vista adiou o término do julgamento. 

Castro e outras 12 pessoas estão na berlinda, acusados de integrarem um esquema criminoso que contratou 18 mil pessoas em cargos secretos no Governo do Rio de Janeiro. Segundo o Ministério Público, os “funcionários” eram apadrinhados políticos, que atuaram como cabos eleitorais na campanha de 2022.

Podem ser dois fatos isolados, uma coincidência no calendário. Mas se ligarmos os pontos, o que sobra é uma operação midiática, feita sob medida para uma plateia que, equivocadamente, aposta no bang bang como política de segurança pública, e que teve como único efeito prático o crescimento da popularidade do governador em um momento de fragilidade.

Levantamento da Fundação Getúlio Vargas ao qual tive acesso revela números de uma percepção que já saltava aos olhos. A repercussão dos confrontos no Rio dominou as redes sociais, com 62 milhões de interações em uma semana. Sob os holofotes, Castro angariou mais de 1 milhão de novos seguidores só no Instagram. 

São números impressionantes em um período de tempo tão pequeno e revelam como esse tipo de abordagem ainda seduz pessoas e alcança dividendos políticos. A extrema-direita sabe bem como mover as peças dentro deste jogo. Com um discurso de fácil assimilação, simplifica um problema estrutural e apresenta a violência ilimitada como solução.

As megaoperações não são novidade. Tiveram início nos anos 1990, sem qualquer resultado efetivo no aumento da segurança da população ou na redução dos índices de criminalidade. Ou as biqueiras controladas pelo Comando Vermelho deixaram de vender drogas no dia seguinte ao confronto que vimos no Rio? Claro que não! 

O próprio Cláudio Castro está há cinco anos no comando do Governo do Estado do Rio transformando esse discurso em prática política, enquanto o Comando Vermelho se fortaleceu e ampliou seus tentáculos, assim como outras facções fluminenses e as milícias.  

Evidente que não estamos aqui para defender criminosos. Mas precisamos nos libertar do discurso vazio e falacioso de que “bandido bom é bandido morto”. É preciso atuar com inteligência no combate ao crime organizado.

Sob qualquer critério, a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão é um fiasco. Quatro policiais morreram —dois civis e dois militares— e outras quatro pessoas foram atingidas por balas perdidas. Ao todo, registra-se 121 suspeitos de envolvimento com facções que foram mortos durante os confrontos. 

A imagem macabra da Praça São Lucas, na Vila Cruzeiro, com os corpos enfileirados no chão, circulou o mundo. Foi a maior matança da história recente do Rio de Janeiro, superando inclusive o massacre do Carandiru, em São Paulo, no qual 111 presos foram mortos pela polícia.  

Só uma visão muito distorcida da realidade pode levar a acreditar que esse tipo de ação traz tranquilidade. Sejamos francos: o Rio de Janeiro, a segunda maior cidade do país, parou, com as pessoas querendo chegar o quanto antes em casa em busca de abrigo. Os moradores das comunidades ficaram apavorados com a quantidade de tiros e todos os serviços públicos foram paralisados: transporte, postos de saúde, escolas.

Nessas megaoperações, os membros de facções mortos são rapidamente substituídos. O comando de fato está longe dali. O principal alvo da operação do Rio, por exemplo, conseguiu fugir e segue solto.

É preciso uma ação combinada, que retire os criminosos do território e leve o Estado para dentro das comunidades, oferecendo novas perspectivas, com o investimento maciço em saúde, educação, cultura, esporte, mobilidade, geração de emprego e renda. Nada disso pode ser substituído exclusivamente pela polícia. De outra forma, o que se vê é o crime reocupando os espaços com novos “soldados”.

Infelizmente, a segurança pública é um tema manipulado pela extrema-direita, que aposta há anos em uma política de carnificina para agradar a plateia, mas que não produz qualquer efeito prático no controle da criminalidade. 

Em qualquer país do mundo que tenha uma política de segurança eficaz, bandido bom não é bandido morto, mas bandido preso, que fornece informações e possibilita aprofundar as investigações. É assim que se “castiga” o crime organizado e se desmantela as facções. É preciso seguir o caminho do dinheiro e asfixiar financeiramente os grupos. E isso não se faz com tiroteio, mas com inteligência.

É possível fazer diferente. A operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público e a Receita Federal, vem desmantelando um megaesquema de lavagem de dinheiro do PCC que utiliza fintechs e fundos de investimento sediados na avenida Faria Lima. E tudo isso sem espetacularização e sem disparar um tiro sequer. 

Enquanto governadores bolsonaristas, entre eles Tarcísio de Freitas, correram de forma oportunista para apoiar a megaoperação de Cláudio Castro na esperança de tirar uma “casquinha”, o Governo Lula apresentou no Congresso a PEC da Segurança Pública, que propõe a integração das forças de segurança de todo país, com planejamento conjunto e troca de informações estratégicas. Já o Senado instalou oficialmente a CPI das Organizações Criminosas. Vamos ver como essas iniciativas irão avançar em Brasília.

Se matança resolvesse, Rio e São Paulo seriam hoje lugares seguros. Não são. E isso desmonta, por si só, a lógica do confronto como política pública. Décadas de operações espetaculares não reduziram o poder das facções, não impediram a circulação de armas, nem interromperam o fluxo de dinheiro que sustenta o crime organizado. É preciso parar de usar essas ações como cortina de fumaça para crises políticas e para encobrir a ausência de projetos consistentes de segurança.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.