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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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A transversal do tempo

9 anos depois, com Lula inocentado e reeleito, terminam o ciclo colocando o fascista mor na Papuda

A transversal do tempo

O tempo cronológico atravessa as nossas vidas, desde a quebra do tempo cíclico e do abandono do pensamento mágico pelo Ocidente, no qual o tempo é medido em unidades de valor, nas quais, tudo é mensurado em termos de produtividade, muitas vezes esquecemos que cada instante é único e irrepetível, não nos damos tempo de prazer, e mal temos tempo de lamber nossas próprias feridads e vivenciarmos nossos lutos e nossas dores.

Cortázar, autor com o qual estou trabalhando, era um mestre em ressignificar o tempo. O tempo de espera e procura, parece que é moroso e dolorido, o tempo de prazer, de gozo, de orgasmo, parece passar como água entre nossos dedos, de uma forma que não o conseguimos reter. Mas, cada um destes tempos, diante de sua intensidade pode ser único, inigualável. Um momento que, diante da incerteza e da fragilidade de nossas vidas, da agonia diante da morte e do desaparecimento inevitável de cada um de nós, assim como os planetas e as estrelas, parece congelar e parar a marcha inexorável de cronos, e ficar, estes momentos, introjetados no nosso corpo, como um marco, como uma tatuagem ou uma cicatriz, de dor ou prazer, na alma.

O nascimento de um filho ou uma filha, um momento de prazer, gozo e paixão inigualável, a perda de nossos pais, ou, pior ainda, de um filho ou uma filha, parecem ficar retidos, congelados na retina da alma, desafiando a fugacidade do tempo.

Assim se deu com o golpe misógino contra a presidenta Dilma, que começou a tragédia fascista, que desembocou na prisão absurda de Lula e na eleição do miliciano nazi-fascista.

Eu vivi, junto com todos e todas que leem este texto, este momento. Ao voltar ao Rio de Janeiro, depois da votação que vitimou Dilma, ainda tive algumas surpresas desagradáveis. Um idiota na minha repartição pública – todo servidor público de direita é um idiota completo – colocou a foto que ilustra este texto (eu, sentado consolando uma menina do MST, durante a votação e dizendo, profeticamente para ela, “nós voltaremos!”) tinha colado a foto no mural da repartição. Sem que eu soubesse, a foto tinha virado capa de um jornal no Rio, e foi usada pela direita com os dizeres “acabou a mamata, vagabundo Petista vai quer que trabalhar” – detalhe, naquele momento de minha vida, este “vagabundo PeTista” aqui trabalhava em 3 empregos diferentes!

Eu não me envergonhei da foto, ela envelheceu bem, e por isto a republico, eu sabia que, ganhando ou perdendo, o fundamental é estar do lado certo da história. Esta foto ainda foi usada no facebook e cheguei a discutir com um ex aluno universitário meu, que me marcou numa publicação e falou: “este figura foi meu professor e tentou me doutrinar”. O face dele estava cheio de referências a Bolsonaro e ele participava de um grupo de “jovens de direita” na Baixada Fluminense. Antes de bloqueá-lo eu respondi: “preto, pobre, periferico e de direita. É a prova de que fracassei como professor, lamento um dia ter dado aula para você, pelo visto você não aprendeu nada”.

Sartre dizia que a liberdade é agir obrigatoriamente diante da vilania. A liberdade não está relacionado a um ato furtivo, antes é uma obrigação moral de agir diante de uma injustiça ou do arbítrio. A consciência é um fardo, a omissão é parte da ação violenta e injusta. Em 2016 cometi suicídio político sindical ao defender abertamente a presidente Dilma e o legado do PT e de Lula. Vi muita gente, que hoje comemora comigo a prisão de Bolsonaro, se calar e se omitir para não perder a merda de um cargo sindical, eu não poderia ser livre e ser cúmplice calado de um golpe de Estado em curso, que acabou com 700 mil brasileiros assassinados durante a pandemia da Covid e o Brasil de volta no mapa da fome.

E ontem parece que entrei numa transversal do tempo, aqueles momentos em que o tempo congela, como se fosse um buraco de minhoca espacial, como não se tivessem passado 9 anos entre o impeachment e a condenação de Bolsonaro.

Por coincidência ou justiça poética, estou em Brasília, no dia do julgamento, desta feita não como sindicalista, mas a trabalho, para o MDA, no dia exato em que o nazi-fascista recebe o voto final da boca de uma mulher, pela sua justa prisão, daquele que dedicou ao assassino Ustra o voto feito no golpe contra Dilma.

Em 2016 voltei em silêncio do Congressona votação do impeachment, fui andando até o hotel, em lágrimas, eu já alertava a todos que, a partir de Joaquim Barbosa e da farsa do Mensalão, havia uma golpe gestado pela direita e pela extrema direita no Brasil, golpe que tinha como objetivo atingir o PT e a esquerda, mas, como dizia Gonzaguinha:

“Cuidado daquela gente que acreditou,

Marchando com sua família pedindo a Deus,

Pois não teve nem um pouquinho de semancol,

Pois exagerou na prece e pariu Mateus”.

O golpe começado pelo PSDB de Aécio, ao não aceitar a reeleição, e com o STF de cúmplice, e não podemos esquecer que sim, o STF andou ao lado dos golpistas – ou esqueceram de Gilmar Mendes proibindo Lula de ser Ministro, ou de Carmem Lúcia condenando Dirceu sem provas? – quase levou de roldão tudo. A democracia, as eleições, o STF, o Estado Democrático de Direito.

Com a água batendo na bunda o STF mudou de postura, de passou de omissão e cumplicidade com o golpe a defensor do Estado Democrático de Direito, o que foi fundamental para que, ao fim e ao cabo, a gente não tivesse já se transformado numa republiqueta nazista.

Este texto não vai analisar os cenários complexos que, 9 anos depois, com Lula inocentado e reeleito, terminam o ciclo colocando o fascista mor na Papuda. Ele é para falar destas transversais do tempo.

Ontem, 9 anos depois, estou trabalhando para o governo que ajudei a reeleger e encontrei Jacy Afonso no Pardim, um sujeito sensacional, que me acolheu e me estendeu a mão no pior momento de linchamento político que eu sofri por defender aquilo que tinha que sartreanamente defender, foi maravilhoso poder dar um abraço nele e dizer como o admiro e como ele foi fantástico no momento em que muitos, covardemente se calaram para apenas manterem seus cargos.

Entre o choro de 2016 e a festa efusiva de ontem, com direito a ouvir Fabiano tramponista tocando “Tá na hora do Jair, tá na hora do Jair, já ir embora”, parece que houve uma conexão, uma transversal, uma ligação direta que ressignificou para mim ter me mantido todos estes anos do lado certo da luta.

Uma tranversal do tempo perfeita, só faltou a mesma companheira do MST para dizer, “viu, companheira, voltamos!”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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