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Novo governo boliviano exclui indígenas e busca reaproximação com os EUA

A ausência de indígenas no gabinete e a volta da DEA geram reações contra Rodrigo Paz

Rodrigo Paz (Foto: Reuters)

247 - O novo presidente da Bolívia, Rodrigo Paz, iniciou seu governo com decisões que reacenderam o debate sobre o futuro político e social do país. Em poucos dias de mandato, Paz apresentou um gabinete composto apenas por tecnocratas e empresários, sem a presença de representantes indígenas, e anunciou uma reaproximação com os Estados Unidos, rompendo com a linha adotada nas últimas duas décadas.

Segundo o Brasil de Fato, especialistas e movimentos sociais denunciam que as medidas de Paz representam um retrocesso histórico e uma tentativa de apagar avanços conquistados pelos governos anteriores.

Críticas à volta da DEA e risco de criminalização

A possível retomada das operações da DEA, agência antidrogas estadunidense expulsa do país em 2008, é vista como um sinal de submissão a interesses externos. “É uma aproximação péssima porque já estão falando de trazer de volta a DEA, o que é problemático por ser uma tentativa de criminalizar toda uma região boliviana”, afirmou Jobana Moya, integrante do Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano, referindo-se ao departamento de Chapare, tradicional reduto do ex-presidente Evo Morales.

Moya destacou ainda que Chapare é uma região produtora da folha de coca, elemento sagrado na cultura boliviana. “A folha de coca é sagrada para nós, tem conotação espiritual, religiosa e usos medicinais. É preocupante porque o discurso que vem dos EUA é reproduzido pela imprensa tradicional, e muitos acreditam que na região só há narcotraficantes, o que não é verdade. Em Chapare também se produz fruta e piscicultura”, disse.

Nova aliança com Washington

O subsecretário de Estado dos EUA, Cristopher Landau, afirmou nesta segunda-feira (10) que Washington já está ajudando economicamente a Bolívia na compra de combustível e medicamentos. O gesto simboliza o reestabelecimento dos laços bilaterais, rompidos em 2008, quando Morales expulsou o embaixador norte-americano por envolvimento em um complô contra seu governo. A virada política representa um rompimento com o Movimento ao Socialismo (MAS), que liderou o país entre 2006 e 2025, primeiro com Evo Morales e depois com Luis Arce.

Tensões internas e risco de instabilidade

Além das críticas externas, analistas apontam divergências dentro do próprio governo. O vice-presidente, Edman Lara, um ex-policial de forte presença nas redes sociais, já declarou publicamente: “Eu sou a garantia. Se Rodrigo Paz não cumprir, eu o confrontarei.” Para Jobana Moya, a falta de unidade ameaça a governabilidade. “Paz chega ao poder com o voto maciço em Lara, mas dava para ver que as propostas dos dois não são convergentes”, afirmou.

Símbolos e representatividade em xeque

A posse de Rodrigo Paz, realizada no domingo (9), marcou a exclusão de símbolos indígenas do Palácio do Governo. A cerimônia foi feita diante de uma Bíblia e um crucifixo — elementos cristãos que substituíram os símbolos ancestrais valorizados durante as gestões socialistas. Paz também ordenou a retirada da bandeira “wiphala”, que representa os povos originários e, especialmente, os aimarás.

“Acredito que Paz esteja sinalizando que deseja retroceder ao que a Bolívia era antes da entrada de Evo Morales, que levou os indígenas ao poder, valorizou saberes e deu mais espaço horizontal para as organizações políticas. Paz parece querer apagar tudo o que Evo representa”, criticou Jobana Moya.

Reação de Evo Morales

O ex-presidente Evo Morales reagiu duramente. “Retirá-la [a wiphala] do Palácio é uma ofensa ao movimento indígena originário camponês e uma tentativa de apagar a memória coletiva. De um Estado de inclusão passamos a um de exclusão”, declarou em sua conta na rede X. Desde 2024, Morales vive em Chapare, região onde enfrenta um processo judicial por tráfico de menores, acusação que ele nega.

As primeiras ações do governo Paz indicam uma mudança profunda no projeto político boliviano, substituindo a ênfase na plurinacionalidade e inclusão social por uma agenda de mercado e alinhamento com Washington.

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