China abre mão de tratamento diferenciado na OMC e reforça papel como potência global
Especialistas apontam que a decisão de Pequim acelera reformas no comércio mundial e pressiona os Estados Unidos
247 - A China surpreendeu a comunidade internacional ao anunciar, na última terça-feira (23), que abrirá mão do tratamento especial concedido aos países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC). O comunicado foi feito pelo primeiro-ministro Li Qiang durante reunião da ONU, em Nova York.
De acordo com reportagem publicada pelo portal Vermelho, a medida foi recebida como um marco no reposicionamento de Pequim no cenário econômico global. Para o professor Evandro Menezes de Carvalho, especialista em China, a iniciativa representa “um passo extremamente ousado e surpreendente” do governo chinês.
Uma guinada estratégica no comércio internacional
Segundo a agência estatal Xinhua, Li Qiang declarou que “como um grande país em desenvolvimento responsável, a China não buscará um novo tratamento especial e diferenciado nas negociações atuais e futuras da OMC”. A diretora-geral da instituição, Ngozi Okonjo-Iweala, classificou a decisão como “um momento crucial para a OMC”, ressaltando que ela demonstra o compromisso de Pequim com um sistema de comércio mais justo.
O Tratamento Especial e Diferenciado (TED) garante aos países em desenvolvimento prazos mais longos para implementar acordos, acesso facilitado a mercados de nações desenvolvidas e maior flexibilidade em políticas comerciais. Ao abrir mão desse mecanismo, a China sinaliza confiança para competir de igual para igual com economias avançadas.
O impacto para a agenda da OMC
Para Evandro de Carvalho, a decisão tem o potencial de acelerar reformas no organismo multilateral. “Arrisco dizer que a China antecipou, em 25 anos, o que estava planejando para 2049”, afirmou o professor, lembrando que nesta data o país pretende celebrar o centenário da República Popular transformado em uma potência socialista moderna, próspera e desenvolvida.
Além disso, Carvalho observa que a medida consolida a imagem da China como liderança global e cria um contraponto direto ao protecionismo dos Estados Unidos, intensificado pelo atual presidente Donald Trump. “Os Estados Unidos estão cometendo erros atrás de erros, que desgastam sua legitimidade e abrem fissuras em sua hegemonia. A China tem ocupado esse espaço e acelerado esse processo”, avaliou.
Estratégia interna e projeção externa
O avanço chinês se apoia também na chamada Política de Circulação Dupla, lançada pelo governo de Xi Jinping. A estratégia busca fortalecer o mercado interno, reduzindo a dependência de insumos externos, ao mesmo tempo em que expande as relações comerciais globais.
“O governo chinês começou a desenvolver mais o mercado doméstico para reduzir sua vulnerabilidade em setores sensíveis. Isso já se antecipava a possíveis restrições ou mesmo cenários de conflito internacional”, explicou Carvalho.
Com uma população de 1,4 bilhão de pessoas, a China planeja dobrar sua classe média, hoje estimada em 400 milhões de cidadãos, até 2035. Para o especialista, esse movimento transforma o país em “uma máquina de construção de relações comerciais”, capaz de impulsionar tanto a economia interna quanto o comércio internacional em larga escala.