MP detalha métodos de tortura do Comando Vermelho: 'arrasta com o carro'
O Ministério Público alertou que as práticas chocantes da facção criminosa vale não só para traficantes rivais, como também para moradores
247 - A denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que serviu como base para uma megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão registrou episódios de tortura praticados pelos integrantes do Comando Vermelho (CV), com intenção de punir comparsas e até moradores. A ação policial desta semana deixou pelo menos 121 mortos na capital, sendo a operação mais letal da história do estado. O responsável por orientar as punições e participar dos chamados "tribunais do tráfico" é Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, o BMW.
Segundo o MP-RJ, o BMW "goza de prestígio e atua em alta posição hierárquica dentro do Comando Vermelho". "Além disso, em nome do predomínio violento da facção criminosa Comando Vermelho, o denunciado Juan Breno orienta a prática de punições e tortura contra moradores". O relato saiu no jornal O Globo.
Em um dos casos de tortura mencionados pelo MP, um homem amordaçado e algemado é arrastado por um carro, vestindo short, sem camisa. "Em meio a gritos implorando por perdão", o alvo da punição cita BMW diversas vezes, enquanto o denunciado "faz piada do sofrimento alheio, debochando da vítima agonizante", afirmou o ministério.
Outro denunciado é Fagner Campos Marinho, o Bafo, apontado como soldado do tráfico de drogas. De acordo com o MP, nas imediações do Complexo da Penha, "constrangeu a vítima, pessoa ainda não identificada, que estava totalmente dominada e em seu poder, com emprego de violência, causando-lhe intenso sofrimento físico, como forma de aplicar castigo pessoal e medida de caráter preventivo".
Conforme o MP, Bafo agrediu violentamente uma pessoa parcialmente desnuda, caída e amarrada. "O denunciado gravou vídeo com a vítima ensanguentada, gemendo de dor, reconhecendo que foi ele quem torturou ('deu massagem') aquela pessoa, e, logo após, indagando à vítima se ela 'quer morrer?'", relatou a denúncia.
"A crueldade de Fagner é ressaltada pela sua atuação em tortura de indivíduo amarrado e ensanguentado. Fagner indaga se a vítima “quer morrer logo”, e o indivíduo, possivelmente pela exaustão e crueldade da tortura recebida, balbucia, parecendo aceitar a sua execução, como forma de interromper o sofrimento", relata o MPRJ.
Domínio e poderio econômico
Um estudo divulgado no último ano pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) em parceria com o Instituto Fogo Cruzado apontou que o Comando Vermelho foi a única facção criminosa a expandir seu território entre 2022 e 2023 na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
De acordo com a pesquisa, o crescimento foi de 8,4%, fazendo com que o grupo ultrapassasse as milícias e passasse a controlar 51,9% das áreas sob domínio do crime organizado na região. A facção recuperou 242 quilômetros quadrados que haviam sido tomados pelas milícias em 2021. Naquele ano, os grupos paramilitares dominavam 46,5% das áreas, enquanto o Comando Vermelho controlava 42,9%.
Segundo o relatório Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil, apenas em 2022, o Comando Vermelho e o PCC movimentaram aproximadamente R$ 146,8 bilhões com atividades ligadas à comercialização de combustíveis, ouro, cigarros e bebidas.
No mesmo período, o tráfico de cocaína movimentou cerca de R$ 15 bilhões. As informações foram publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo. Assim como o CV, o PCC mantém atuação consolidada em mais de 20 estados brasileiros, evidenciando o alcance nacional dessas facções.
Trajetória do Comando Vermelho
Fundado no Rio de Janeiro durante a década de 1970, o Comando Vermelho é reconhecido, junto ao Primeiro Comando da Capital (PCC), como uma das maiores organizações criminosas do Brasil. O grupo foi criado com o nome de “Falange Vermelha” por William da Silva Lima, apelidado de “professor”, e surgiu com a proposta de combater a tortura e os maus-tratos nos presídios. Atualmente, o CV possui presença em mais de 20 estados brasileiros.
Entre 1981 e 1986, a facção ampliou sua rede de distribuição de drogas nas favelas do Rio. Um dos fatores que impulsionaram essa expansão foi a decisão do governo estadual, em 1983, de suspender as operações policiais nas comunidades. Em 1985, o Comando Vermelho já controlava cerca de 70% dos pontos de venda de entorpecentes, consolidando sua posição como principal grupo do tráfico local.
Uma ruptura em 1994 alterou a dinâmica do crime na capital fluminense. Ernaldo Pinto de Medeiros, conhecido como Uê, assassinou Orlando Jogador, então líder do CV no Complexo do Alemão, após discordâncias sobre a gestão do tráfico. O episódio resultou na criação da facção Amigos dos Amigos (ADA), no Morro do Adeus, e deu início a uma disputa violenta que perdurou até setembro de 2002.
Com a chegada das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas, os confrontos entre CV e ADA diminuíram. Diante da redução no comércio de drogas, as duas organizações acabaram unindo forças. Hoje, o Complexo do Alemão e a Vila Cruzeiro são considerados os principais redutos do Comando Vermelho.


