Senado francês rejeita proposta de imposto sobre ultrarricos
Apesar de apoio da esquerda e mobilizações sociais, projeto de tributo mínimo sobre grandes fortunas foi barrado por maioria conservadora
247 - A proposta de criação de uma taxa sobre o patrimônio dos ultrarricos na França, conhecida como “taxa Zucman”, foi rejeitada pelo Senado nesta quinta-feira (12). A informação é do jornal Le Monde, que detalhou os bastidores da votação e a mobilização da sociedade civil em torno do tema.
O texto, inspirado no economista Gabriel Zucman e apresentado pelo grupo parlamentar Les Ecologistes, havia sido aprovado em primeira leitura na Assembleia Nacional, mas não resistiu ao crivo da câmara alta, onde a direita e aliados do governo detêm maioria.
Durante a manhã, organizações como Oxfam, Attac e 350.org realizaram um protesto simbólico nos arredores do Jardim de Luxemburgo, nas imediações do Senado. Com bonecos representando os bilionários Bernard Arnault e Vincent Bolloré e faixas com dizeres como “Taxez-moi !” e “2 %, ce n’est rien pour nous !”, os ativistas tentaram pressionar os senadores. A ação, porém, não foi suficiente para reverter o posicionamento conservador.
Um projeto com apoio unânime da esquerda
A proposta rejeitada previa um imposto mínimo de 2% sobre o patrimônio dos franceses que possuem mais de 100 milhões de euros – um grupo estimado em cerca de 1.800 pessoas. O texto foi endossado por toda a esquerda parlamentar, incluindo socialistas, comunistas, os ecologistas e o movimento La France Insoumise. No entanto, foi derrotado por 188 votos contra 129, mesmo após tentativa de moderação do projeto em comissão, com sugestão de reduzir a taxa para 1%.
Apesar da derrota, os partidos de esquerda prometem manter a iniciativa viva e estudam retomar o debate por meio de suas “niches parlementaires” – janelas legislativas em que as bancadas podem priorizar pautas próprias.
Governo propõe versão mais branda
Paralelamente, o governo de Emmanuel Macron estuda uma alternativa dentro da elaboração do orçamento de 2026. A ideia seria criar um “imposto mínimo diferencial” sobre o patrimônio, voltado a combater estratégias de evasão fiscal praticadas por grandes fortunas. O novo modelo teria uma alíquota de 0,5% e excluiria os ativos profissionais, que correspondem à maior parte da riqueza dos ultrarricos.
A ministra das Contas Públicas, Amélie de Montchalin, defendeu esse novo desenho. “Não é lógico que um domicílio com dezenas de milhões de euros possa financiar seu estilo de vida via holding e não pagar imposto de renda”, declarou. Ainda assim, ela atacou duramente a proposta original, chamando-a de “confiscatória”, “ineficaz” e “anticonstitucional”.
A crítica da direita e os temores de evasão fiscal
O relator Emmanuel Capus (Horizons, partido aliado ao governo) foi outro a criticar o texto, contestando a premissa de que os ultrarricos contribuem menos proporcionalmente com impostos. Ele e outros parlamentares alertaram para o risco de fuga de capitais e de contribuintes. “Com esse sinal, algumas dezenas de bilionários – dos 49 que vivem na França – poderiam simplesmente deixar o país”, reforçou Montchalin, ecoando argumento já utilizado pelo presidente Emmanuel Macron durante reunião ministerial mais cedo.
A crítica se baseia na ideia de que um imposto desse tipo só faria sentido se fosse adotado internacionalmente, no âmbito do G20 ou da OCDE, dado o contexto de economia globalizada.
A defesa do idealizador
Do outro lado, Gabriel Zucman respondeu às acusações pelas redes sociais. “Confiscatória? Os afetados têm rendimentos mais que suficientes para pagar o tributo. Seus patrimônios rendem em média entre 5% e 6% ao ano, muito acima dos 2% propostos”, explicou. Sobre a suposta ineficácia, o economista rebateu: “O patrimônio dos 500 mais ricos saltou de menos de 10% do PIB em 2010 para 40% em 2024. Uma pequena taxa sobre esses 40% geraria 20 bilhões de euros por ano. Como ignorar essa soma diante do atual quadro fiscal?”
Mesmo assim, os argumentos não convenceram a maioria dos senadores.
Um século de resistência às grandes fortunas
O episódio remete a um momento histórico da política francesa. Em abril de 1925, há exatos cem anos, o governo do Cartel das Esquerdas tentou instituir um imposto sobre o capital de 10% para reduzir o déficit público. Segundo o historiador François Chounet, em obra citada pelo Le Monde, o projeto fracassou por falta de maioria no Parlamento, o que contribuiu para a queda do governo de Édouard Herriot. Nos meses seguintes, a instabilidade foi tanta que a França chegou a ter um novo ministro das Finanças a cada trinta e sete dias, em média.
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