Putin aposta em experiência da KGB para influenciar Trump em cúpula no Alasca
Encontro entre os presidentes dos EUA e da Rússia preocupa líderes europeus, que temem mudança na narrativa sobre a guerra na Ucrânia
247 – Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se encontrarem nesta sexta-feira (15) no Alasca, o líder russo, ex-oficial da KGB, colocará em prática décadas de experiência em manipulação e sedução política para tentar convencer o norte-americano de que está aberto à paz. A informação é do The Washington Post, que ouviu diplomatas, analistas e ex-autoridades ocidentais sobre os bastidores do encontro.
Segundo analistas russos, um dos principais objetivos de Putin será criar um distanciamento entre Trump e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, além de enfraquecer o apoio europeu a Kiev. A preocupação em capitais europeias é que, num encontro privado e sem assessores, o presidente russo consiga repetir episódios anteriores, quando lisonjeou Trump a ponto de reverter posições de Washington sobre sanções e política externa.
“Todos têm medo de que Putin jogue com o ego de Trump de novo, como já fez no passado”, afirmou um alto funcionário europeu ao The Washington Post, pedindo anonimato para falar de negociações delicadas.
Estratégia russa e clima pré-cúpula
Às vésperas da reunião, Putin elogiou a atual administração norte-americana por seus “esforços sinceros” para encerrar as hostilidades e acenou com a possibilidade de retomar conversas sobre controle de armas estratégicas. Para o Kremlin, o formato de encontro a sós favorece a experiência de Putin, que está há 25 anos no poder e domina táticas para ganhar tempo nas negociações, como propor cessar-fogos limitados ou vagas “estruturas para a paz” enquanto intensifica operações militares.
Um integrante do Kremlin ouvido pelo jornal disse acreditar que a relação pessoal entre os dois líderes pode “mudar os rumos” e alcançar resultados significativos: “Eles realmente gostam um do outro e se comunicam bem”.
Táticas de manipulação e histórico com líderes
Putin construiu sua habilidade de desestabilizar interlocutores na época em que atuava na KGB em Dresden, na então Alemanha Oriental. Em 2000, no início de seu mandato, surpreendeu diplomatas norte-americanos ao convocar uma entrevista coletiva repentina antes de receber a secretária de Estado Madeleine Albright, insinuando que ela seria “muito dura” com ele — um gesto interpretado como tentativa de manipular a percepção pública.
A chanceler alemã Angela Merkel também relatou em suas memórias ter se sentido intimidada quando, em 2007, Putin levou seu labrador Koni a um encontro, sabendo que ela tinha medo de cães. Já o ex-bilionário russo Sergei Pugachev afirmou que, nos primeiros anos de governo, Putin “espelhava” as posições de seus interlocutores para conquistar sua confiança.
O risco de um “novo Helsinque”
Em 2018, após uma reunião prolongada com Putin em Helsinque, Trump surpreendeu ao dizer acreditar na negativa do presidente russo sobre a interferência nas eleições de 2016, contrariando a inteligência norte-americana. O episódio foi considerado desastroso por assessores, e diplomatas alertam que o Alasca pode ser palco de um episódio semelhante.
Tatiana Stanovaya, pesquisadora do Carnegie Foundation’s Russia Eurasia Center, afirmou que “quando Trump saiu de horas de conversa com Putin, parecia inseguro e completamente sob sua influência”. Já James P. Rubin, ex-porta-voz do Departamento de Estado, avalia que a equipe de Trump tentará evitar repetir erros do passado, mas reconhece que o simples fato de a cúpula acontecer mostra que Putin sente necessidade de responder a pressões para evitar sanções mais duras ou o aumento da ajuda militar à Ucrânia.
Expectativas e possíveis resultados
Além de tentar conquistar Trump, Putin deve insistir na narrativa de que a guerra só pode terminar se Kiev reduzir drasticamente seu aparato militar e mudar sua política interna. Para Stanovaya, o presidente russo pretende dizer a Trump: “Somos duas grandes potências, temos armas nucleares, somos responsáveis por conflitos regionais. Não podemos estar em conflito. A Ucrânia é existencial para nós e vamos lutar pelo tempo que for necessário”.
Ex-funcionários ocidentais, no entanto, afirmam que a Rússia não tem condições de manter indefinidamente a ofensiva e que Washington dispõe de instrumentos — sanções e apoio militar — capazes de forçar concessões. O ex-premiê sueco Carl Bildt resumiu a preocupação: “Sempre que parece haver chance de Trump agir de forma mais dura, Putin encontra uma manobra para desviar essa pressão. Este é mais um repeteco”.