Netanyahu ordena reprodução de seu discurso na ONU nas ruas de Gaza
Governo usa alto-falantes para levar pronunciamento do premiê às ruas de Gaza. Militares falam em “guerra psicológica” e criticam iniciativa
247 - O Exército de Israel se prepara para transmitir o discurso do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na Assembleia Geral da ONU diretamente nas ruas de Gaza, por meio de alto-falantes instalados em caminhões militares. A medida, revelada nesta sexta-feira (26) pelo jornal Haaretz, gerou forte reação negativa dentro das próprias forças armadas e entre famílias de reféns.
Oficiais do Comando Sul do IDF [Forças de Defesa de Israel] classificaram a operação como um ato de “guerra psicológica” sem valor estratégico real. A ordem, segundo militares ouvidos, partiu do governo israelense, e a transmissão deverá ser gravada para uso posterior na campanha eleitoral de Netanyahu. “Ninguém entende o benefício militar disso”, afirmou um oficial de alta patente. Outro descreveu a ideia como “loucura”.
Operação arriscada e sem respaldo militar
Fontes do Exército relataram que parte dos alto-falantes foi instalada em postos avançados considerados vulneráveis, expondo soldados a riscos desnecessários. O próprio comando admitiu a insatisfação das tropas, que temem ser usadas em uma iniciativa política. “Pessoas de todos os espectros políticos nos perguntam que delírio é esse”, declarou um dos oficiais.
Em discurso, Netanyahu deve fazer críticas a países que reconheceram o Estado palestino, como a França, acusando-os de “premiar o Hamas”. Ele também deve destacar supostos avanços de Israel contra o Hezbollah, o regime sírio e o programa nuclear iraniano, mas não deve mencionar anexação da Cisjordânia.
Vozes das famílias de reféns
A decisão mobilizou familiares de soldados e civis ainda mantidos em Gaza. Anat Angrest, mãe do militar Matan Angrest, escreveu na rede X: “Meu Matan e outros reféns podem ouvir você. Qualquer frase diferente de ‘vim assinar um acordo que traga todos para casa’ será abuso psicológico contra eles”.
Lishi Miran Lavi, esposa do refém Omri Miran, pediu que a sua própria mensagem fosse transmitida no lugar do pronunciamento do premiê: “Gostaria de falar alto e claro que o povo de Israel luta por eles e deseja um acordo para trazê-los de volta”.
Viki Cohen, mãe do soldado Nimrod Cohen, chamou a medida de “truque” e disse que Netanyahu insiste em “gimmicks em vez de estratégia”. O movimento Ima Era (Mães Despertas) também condenou o plano: “Eles não são figurantes no seu show de guerra. Não são adereços da sua performance megalomaníaca”.
Pressão pública contra Netanyahu
Pais de dezenas de militares enviaram carta ao chefe do Estado-Maior, Eyal Zamir, e ao ministro da Defesa, Israel Katz, exigindo a suspensão imediata da iniciativa, alertando que ela coloca em risco a vida de seus filhos. “Nunca na história de Israel houve tamanho desprezo pelas vidas dos soldados”, escreveram.
A organização Soldados pelos Reféns reforçou as críticas, acusando o governo de transformar o Exército em um “palco de propaganda”. Em vídeo publicado nas redes, Ilan Green, pai de um soldado gravemente ferido em Gaza, apelou: “Vocês vão colocar mais soldados em risco por uma encenação sem sentido... parem imediatamente”.
Reação do governo e cenário internacional
Diante da pressão, o gabinete do primeiro-ministro alegou que a transmissão faz parte de um esforço de “diplomacia pública” e que os equipamentos estariam apenas em caminhões posicionados do lado israelense da fronteira, sem expor soldados. Pais de militares, no entanto, contestaram a versão oficial: “Sabemos por nossos filhos que os alto-falantes foram instalados dentro de Gaza. Perdemos a confiança no governo”, afirmaram em resposta.
A polêmica ocorre às vésperas da reunião entre Netanyahu e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, marcada para segunda-feira (29), em Washington. Na quinta-feira, Trump afirmou que conversou com o premiê israelense sobre o fim da guerra em Gaza e que um acordo de cessar-fogo para libertar reféns estaria “muito próximo”. O presidente norte-americano também descartou qualquer possibilidade de anexação da Cisjordânia por Israel: “Não vou permitir que isso aconteça”.
O gabinete de Netanyahu disse que ele só responderá às declarações de Trump após seu retorno a Israel.